domingo, 2 de junho de 2013

PERTURBAÇÃO



Sente-se abafado, encurralado, entra e sai, sempre no mesmo espaço de trinta metros quadrados rodeado de livros e memórias. Passeia à volta da mesa oval, procurando não tocar nas cadeiras, e vai olhando as paredes, com os quadros, fotografias, sofás e estantes cheias de livros. Não caminha pelo exercício, caminha pensando, tentando encontrar respostas, ao inexplicável, como se e procurasse o sítio de entrada do ar numa bola de plástico.

Já fora para junto do mar, como sempre, e ele no seu infinito marulhar, não lhe acalentara os pensamentos nem lhe dera soluções, ele também não sabia,   se por orgulho, ou por outras razões, a verdade é que tirando a sua ondulação, não lhe dava qualquer caminho, tudo se passava como nos filmes, nem todos acabam bem. Em alguns, o realizador tenta contrariar o final feliz que o espectador espera acontecer, para que tome consciência de que a realidade não tem muitos finais felizes, por vezes saímos pela porta traseira da vida.

...procurara um café, onde estar, e poder ler um dos seus muitos livros. Normalmente trazia dois ou três consigo, na sua sacola, para escolher o mais adequado ao momento, e ao local onde se sentava. Nem todas as horas ou locais serviam, esta mania poderia ser uma tontice, ou não, mas na verdade o espaço escolhido tinha de ter um conforto especial para que a leitura se realizasse. Nestes dias, isso não acontecia. Tudo o enfastiava, pouco depois de entrar e tomar o café, procurava sair rapidamente e voltar para o local de partida, a casa. Aí novamente apertado entre as paredes de onde fugira, procurava reiniciar a leitura suspensa e perdia-se no nevoeiro das incertezas, adormecendo por minutos regressando tudo ao princípio...

..ontem as paredes conversaram com ele e riam-se, ondulando de gozo a cada gargalhada, aproximando-se perigosamente de si como se quisessem apertá-lo com braços de betão, Os livros nas estantes sussurravam entre si chacotas, e as palavras que ele não lera, num bailado confuso, formavam-se e desfaziam-se no ar, Os quadros coloridos e as fotografias faziam cenários dantescos, deixavam as tintas escorrerem pingando pelas paredes abaixo, criando lágrimas de tinta. Entretanto rostos estranhos , juntavam-se à festa e se espalhavam no ar com roupas vestidas deixadas ao acaso.

Lembrou-se, ligou a aparelhagem colocou um CD com música sentou-se no sofá, e deixou-se ir, Não adormeceu, entrou numa sensação letárgica entre nada e tudo, voando entre nuvens e sonhos estranhos, que o fizeram recuar no tempo, As flores enchiam os campos e o rio corria docemente entre o arvoredo, Era domingo, e as pessoas se dirigiam à igreja de fatiota, Deu por si de repente sentado, numa mesa comendo regueifa com muita manteiga e a chávena de café com leite à sua frente... mudou o lugar e mudou o sonho, Um gato matizado de cinza e branco, se sentava no regaço de uma pessoa de quem não via o rosto, encostava o focinho ao nariz dela, ele observava como fotografia com grande ampliação e desfocada. Tudo flutuava, Novamente o cenário mudou e outro se iniciou, Agora um ecrã dum portátil com um texto escrito, que tentava ler e que não conseguia encontrar o sentido nas palavras, mas que o angustiavam cada vez mais, sem saber a razão, agitando-o, Sentiu-se voar descendo num buraco negro que não mais tinha fim, O triim trrrim do telefone tirou-o do torpor em que se encontrava e trouxe-o de volta, Não chegou a tempo de atender, quem seria, aquela hora? Voltou para o sofá, sentou-se, e esperou que tudo o acontecera nos últimos dias não passasse de um sonho mau, que o telefone felizmente interrompera.

Afinal, pensava, também há finais felizes.

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