quarta-feira, 8 de abril de 2015

"a culpa é minha por gostar de ti"


Entrei no jardim para fazer parte da minha caminhada, Quatro voltas da praxe e saía. Como sempre passava por aquele banco, estava integrado no percurso estabelecido. Na primeira vez que passei, ia tão concentrado no exercício, que não me apercebi que estava ali gente sentada. Ao passar, à segunda volta, reparei num casal já na casa dos quarenta, com ar de gente simples, que estava sentado se namorando. Foi um olhar de relance, sem espanto, A tarde estava propícia ao namoro, O sol entreolhava pelo meios das árvores iluminando o caminho com uma luz fantástica e embora eles estivessem na sombra formavam um quadro que funcionava em contraponto com toda aquela vegetação e cor. Digo namorando pelo modo como se envolviam, ele com um ar meio tímido quase com receio de a abraçar e ela falando e segurando no rosto com uma das mãos procurando a sua boca para o beijar e se chegando mais perto dele. Na volta seguinte, ela quase sentada no colo dele e de rosto encostado, meio se escondia de quem passava, mas não me parecia de vergonha e sim de ternura. Agora, olhei mais atentamente, observando pormenores, que me teriam levado a deduzir, serem gente simples do interior, A roupa que vestiam, a linguagem usada na conversa, o rosto dela sem maquilhagem... Ela mais envolvida, ele parecia ter medo que ela avançasse mais. Na quarta volta ela beijava-o sofregamente e tentando segurar-lhe o rosto com as duas mãos, num gesto amoroso, tudo emoção.
Este interlúdio na caminhada transportava-me para pensamentos diferentes dos habituais e para raciocínios vários para o que me era dado observar, conjecturando uma autêntica estória de amor, daquelas rocambolescas. Que faziam dois quarentões namorando ali no jardim? Não que estivesse errado, mas era pouco normal, seriam casados, amantes...eu ouvia-os falar, no entanto percebia mal as palavras. A emoção e a curiosidade aumentavam, e mais uma volta e lá estava eu em cima do acontecimento, e desta vez ele estava com o telemóvel na mão e ligeiramente afastado, como se estivesse a ver algum número ou mensagem. Eu continuei coscuvilhando, de mim para mim, debulhando tudo, para tentar encontrar respostas à minha curiosidade. Quando já estava de saída aconteceu o inesperado, que me deixou confuso e se arrastou, na minha mente, até quase chegar a casa, Foi vê-la a chorar e dizendo “ se calhar a culpa é minha por gostar tanto de ti”, ele compungido parecia encolher-se.
Fui pensando, na frase, e no seu significado. Será que ela gostava, ou estava convencida de que gostava? Porque razão se pode ser culpado de gostar de alguém? Pela indiferença do outro, sua ambiguidade, ser casado, ter medo de mostrar os sentimentos? Qual a verdade, ou mentira, que magoara? Como se mede o gostar? O que é gostar, ou amar? Sem querer estabelecia pararelos com outras estórias, sempre pensando na efemeridade dos momentos que nos acolhem. Começa-se sorrindo, abraçando, amando, fazem-se juras, promessas, e de repente tudo se altera, o momento de encanto se perde e já nada é como dantes. Na maioria das vezes, não muda para melhor, é sim o prelúdio de um afastamento maior, com recados à memória que se tornam inesquecíveis.

dc

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