domingo, 5 de abril de 2015

UMA AULA DIFERENTE




Chegou, olhar triste dominando o rosto, cabelo preto curto, meio despenteado. Corpo franzino, de baixa altura e sobre ele um top de malha e umas calças jeans azuis.

Nos espaço envolvente onde entrou, vários homens e mulheres tinham nos cavaletes, ou no regaço, pranchetas com folhas de papel almaço de formato A2, ao seu lado vários riscadores, tintas e pincéis. Preparavam-se para uma aula de desenho de modelo, enquanto iam falando entre si, não se aperceberem da sua chegada. Nas primeiras aulas de modelo, nú, havia uma espécie de constrangimento, as conversas eram mais nervosas. Só ao fim de alguns minutos de poses rápidas e curtas se iam libertando.

Lentamente, se despiu exibindo o corpo magro quase esquelético, sem formas exuberantes, mas suficientemente modelado para o que seria desejável, subiu para uma espécie de palanque e colocou-se em pose. Todas as poses que ia assumindo, de acordo com a vontade do professor, pareciam difíceis, o rosto fazia um esgar quase irónico, ficando depois como uma natureza morta não emanava nada que motivasse quem desenhava. Todos captando a estrutura morfológica, no entanto não conseguiam dar-lhe qualquer vivacidade. A única vantagem que tinham, em relação os modelos de gesso, era que aquele se mexia assumindo posições diferentes rapidamente, o que obrigava a uma capacidade diferente de observar, no resto toda ela era gesso, mas maleável, não lhe chamaria de plasticina, porque a sua pele era muito branca quase morta. Nela toda, havia uma parte que era real, os seus olhos, talvez por aquele não sei quê de tristeza, que assumiam por vezes ironia ou indiferença com que se fazia presente. Emanava a agonia das pessoas que executam algo para o qual não estão destinadas. Era como se quisesse comunicar-nos, que fora a necessidade económica a quebrar-lhe o orgulho e a trouxera até ali, para não precisar de se prostituir fisicamente... o resto seus olhos explicavam

No final da aula, olhei os esboços, neles só via riscos, vivos expressivos, mas o modelo propriamente dito não estava lá, tinha-se diluído nas linhas e nas cores usadas. Não ousara reproduzir aquilo que efectivamente vira. Afinal a aula de modelo nú, não fora tão atractiva como alguns pensavam, tinha mais de humano, mais de amor, mais de sentir, que simplesmente aprender os movimentos do corpo e o seu registo no papel
.

dc

Sem comentários:

Enviar um comentário