Ilusão de Outono
A chuva, abençoada cai encharcando o
solo, amaciando as terras endurecidas pelo calor do verão. Solo que liberta
vapor quando a água fria lhe toca.
A água na terra faz lama grossa, espessa, onde rastos indefinidos nascem e
morrem rapidamente, não há moldagem possível, assim se sente ele feito de
matéria, não moldável nem adaptável a qualquer fôrma. Tudo vira fantasma, como
se nevoeiro tomasse conta da paisagem, fazendo que a vida vire algo volátil.
A natureza o instruiu a resistir às vontades alheias de formatarem os seus
desejos e vontades. Partilhar sem se perder de si, sentir sem que seja apego,
viver e não ser um morcego só visível na noite que o protege. Antes a tartaruga
que sai do ovo, partindo a casca da “segurança”, e batalha para sair da areia
em direcção ao mar para se encontrar com a vida, nesse mar intenso, imenso,
onde se pode sobreviver e durar.
Quem disse que a vida é fácil? O tempo não se ganha, perde-se como tal há que
aproveitar as próximas vinte e quatro horas tentando contabilizar o maior de momentos
positivos. Com a mudança da hora, a ilusão de que se ganha mais algum tempo
para viver, afinal precisamos de manter a ilusão.
dc
Colhe o Dia, porque És Ele
ResponderEliminarUns, com os olhos postos no passado,
Vêem o que não vêem: outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, vêem
O que não pode ver-se.
Por que tão longe ir pôr o que está perto —
A segurança nossa? Este é o dia,
Esta é a hora, este o momento, isto
É quem somos, e é tudo.
Perene flui a interminável hora
Que nos confessa nulos. No mesmo hausto
Em que vivemos, morreremos. Colhe
O dia, porque és ele.
Ricardo Reis, in “Odes”
Heterónimo de Fernando Pessoa