A noite está negra sem o luar e céu brilhante
das noites de verão. Será a mente que o atraiçoa e existe luz fora de si, ou
está mesmo escuro? Sente cheiros, ouve ruídos, até sente a brisa que se arrasta
na pele da face, O absurdo é olhar e não ver. Nem as palavras, que sabe que
estão lá, tantas vezes surgindo alinhadas e expressivas, como gosta de ler nos
livros, nos jornais, ou até no monitor do computador. Nada, tudo negro, mesmo
de olhos abertos. O que se passa nesta noite escura, que se atravessa como um
labirinto sem que veja saída. Não cegou, mas não enxerga. Qual a razão desse receio
que fecha o cérebro ao conhecimento, ao acto de ver? A que se fecha ele, o que
não quer ver? Qual a razão da fuga à realidade, que o atormenta neste desafio
de viver, neste aterrar na crueza da vida que macera a pele e os ossos, porquê
se sempre tem sido isso mesmo? Que erros foram cometidos, quais os sonhos
corrompidos, quem magoou? Por que razão, o frio gelado desta escuridão o assola?
Dá passos errantes, naquele bosque de arranha-céus, sem saber onde parar, nem
como descansar, ou encontrar um colírio, que lhe permita novamente ver com o mesmo
olhar de outrora que lhe trazia as cores e os sorrisos. Talvez a cegueira
tivesse como razão, esse silêncio de raciocínios ininterruptos, num diálogo
surdo, entre ideias gastas e palavras sem sorrisos. A vida só lhe oferecera a
existência, ninguém lhe distribuíra à nascença o manual de instruções. Ao
contrário do que dizem, não tinha o destino traçado, todos os dias tinha de
desenhar e inventar as formas de resistir e sobreviver ao tédio. Na prática, o
que lhe estava a acontecer, não seria fruto do cansaço? A repetição dos raciocínios
e a cegueira se mantinha ininterrupta. Domingo não era o seu melhor dia.
dc
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