segunda-feira, 18 de março de 2019

Olhava as fotos...


.... e prendia-se nos pequenos pormenores da sua figura. Não eram os traços de beleza que chamavam a sua atenção, sim os gestos que traziam à memória, a superfície dos seus dedos que falavam da pele, o movimento dos lábios nas frases saindo-lhe da boca, os olhos brilhando, os trejeitos do rosto, as mãos que se agitavam no dialogar. Numa aparecia um sorriso vincado, na outra um olhar profundo, o corpo em cabriola, a blusa voando na brisa, as calças rasgadas no joelho, os braços se levantando deixando o peito desenhado, as orelhas bem delineadas e ornamentadas. Algumas havia em que da palma da mão soprava um beijo, em outras, uma careta e um sorriso maroto, outras até com olhar e boca, vincados de zanga na pose forçada, tudo imagens desafiando a objectiva que na sua frente a observava.
A nostalgia, surge num repente, trazendo com ela o desconforto e pensamentos contraditórios. Qual a razão por que guardámos imagens que sabemos nos trazem memórias, que entristecem pela ausência de quem nelas aparece, ou, porque com elas vem colada a dor. Muitas delas representam efectivamente momentos, que quando foram captados, se pensavam para uma estória que ficaria para sempre e o registo fazia parte, mas depois, se não resultou, por que razão não as cortamos ou colocamos no caixote do lixo? Talvez sejam importantes como registo, não para nós próprios, mas para que outros, um dia, façam a história de forma documentada. Centenas de imagens relatando acontecimentos, sentimentos, estados de espírito, lugares, em resumo, vivências, mas já deixaram de fazer sentido nas nossas vidas do agora. Se assim é, melhor será deixá-las no baú “até que a morte nos separe”.

dc


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