sexta-feira, 15 de março de 2019

Custava-lhe envelhecer




Custava-lhe muito o envelhecer. Olhava-se no espelho e as rugas marcavam o seu anoitecer. Não adiantava se sentia vivo por dentro, se sorria e caminhava sentindo o vento, se a força nas pernas não lhe faltava, se o coração ainda batia por aquela que o entontecia e que tanto amava. Na verdade, envelhecia, inexorável a passagem do tempo. No rosto as rugas marcam como trilhos, o mapa duma existência, cada uma com a sua memória, mas não falam da riqueza das terras férteis, que dentro si ainda existem para cultivar as emoções, os desejos, os projectos, ou, as rotas do sangue quente que ainda circulam intensamente com a vontade e coragem de viver a vida. Por isso, não havia razão para que a idade o intimidasse, a perspectiva de vida, o tempo que ela dura e a sua qualidade, são tão relativas como muitas outras coisas.
Importante é ter consciência de que o amor acontece sem que se dimensione nenhum desses factores, tão comuns que a sociedade tem por hábito rotular. Nem quando o corpo já não corresponde à sua vontade, se deve desistir, há sempre alguma forma de dar asas ao pensamento e ao sentimento que nos percorre desde o interior, fundo, de nós próprios.

dc

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