quarta-feira, 3 de abril de 2019

É a vida



Era tão fácil amar-te, se eu lia para além dos teus olhos, e me aproveitava dos trejeitos da tua boca, dela bebendo os beijos e o sabor dos teus lábios.
Era tão fácil amar-te, se sentia a seda do teu cabelo no passear das minhas mãos, enquanto ouvia a tua voz quente seduzindo-me, com as palavras que ias pronunciando entre cada suspiro.
Era tão fácil amar-te, se conhecia todos os lugares do teu corpo e os seus desejos, na resposta ao meu amor.
Era tão fácil, comunicar entre nós. A inteligência é elemento fulcral da cultura, cada uma quase antecipando o que pensava o outro, ou percebendo a motivação do outro.
Era tão fácil limar as arestas dos desentendimentos, com a força do que era mais importante para nós.
Era tão difícil deixar-te a cada dia que tinha de partir, pela imposição dos outros, porque diziam, “é a vida”.
Era sempre difícil porque ainda trazia o rastro da noite e a imagem da água correndo pelo corpo, no chuveiro matinal, que não eliminava, o cheiro e o calor do teu corpo adormecido encontra o meu. E de seguida o café da manhã entre caricias e o beijo da despedida.
Era sempre difícil, porque a espera incomodava, perante a urgência de estarmos perto.
Nesta contradição entre o fácil e o difícil, se sedimentava a justeza do que possuíamos, a necessidade de o conservarmos, a urgência de o vivermos cada dia como se não existisse outro a seguir.
Hoje alguns, anos depois da partida definitiva, já não dói. Quando algo como o que tivemos é tão pleno, deixa-nos muito tempo, agarrados a memórias que nos fazem sorrir e sem a urgência de procurar um outro substituto de amor. No entanto, é inevitável que venha a acontecer, e nessa altura, gostaria que tivesse muitas semelhanças, mas muito mais, avaliar o quanto ainda existe de bom, que desconhecemos e podemos partilhar.

dc

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