Fico
do alto, bem longe dos seus cheiros, naquele vão enorme com uma espécie de
gradeamento que me protege e esconde. Vou observando tudo aquilo que lá longe
se move, veículos, pessoas e animais, como um desenho animado de uma cidade de
brincar que eu posso fazer andar, ou parar, carregando no botão que a mantém
ligada à corrente.
Isolo-me
da cidade, crio paredes invisíveis entre mim e os outros, entre mim e toda a
sua actividade, que já não é a minha cidade, mas a daqueles que a visitam. São
às dezenas com mochilas às costas, arrastando malas para o primeiro alojamento,
ou, com garrafas de água e um saco plástico com fruta, circulando quase com
frenesim como moscas. As esplanadas enchem-se de pessoas a falarem línguas
estranhas, a comeram, acepipes que não são tradicionais, a beberem cerveja, ou
vinho branco gelado que às vezes esconde a má qualidade, bebem vinho do porto,
porque é doce sem saberem exactamente o que estão a beber e tomam muito café,
porque além de ser acessível, tem a qualidade difícil de encontrar nos seus
países. É gente que visita uma cidade em que os autóctones foram enviados para
dormitórios nos seus limites, para que eles os “estranjas” possam encher a
cidade que visitam. A cidade tornou-se uma grande gaiola artificial onde os
operadores de turismo enriquecem, os bancos fazem câmbios e as câmaras e
governo se aproveitam. Os verdadeiros cidadãos são as marionetas que divertem e
compõem o cenário. Já não é uma cidade, habitada com as suas idiossincrasias, é
uma cidade com poucos moradores e muitos trabalhadores sazonais. Quem ao sábado
aproveitava, para ir à cidade fazer compras estratégicas, tendo estacionamento
gratuito, agora tem de o pagar. Um arquitecto famoso em Portugal dizia, que a
cidade era das pessoas que nela habitam, hoje a cidade é desse público
flutuante que dá ideia de que é habitada. Vários foram os eleitos que
prometeram fazer com que a cidade fosse dos que nela habitam, até prometendo
voltar trazer pessoas a morarem nela. Tudo ficou no plano eleitoral,
rapidamente obedeceram ao critério dos chamados interesses económicos. As
recuperações dos edifícios fazem-se pensando, no hotel, no hostal(?), no boteco,
(já não se diz tasco). A Avenida dos Aliados já se começa a chamar a Avenida
dos Hotéis, não tarda que até comecem a aparecer ruas com nomes como Angela
Merkel, May, Napoleão etc. etc. E em vez de Pensão Montalegre, apareça Hostal
Happy Mountain. Os cidadãos, os tugas, passam a pagar os preços incomportáveis
do turismo, em tudo que é sítio ao ponto de dentro do seu país ao pernoitarem
numa das cidades que não a sua, paguem uma taxa. Afinal a cidade é de quem? O
país é de quem? Quem elege estes todos senhores que comandam os nossos destinos
como portugueses? Há quem diga, “é assim em todos os lados da Europa”, e eu
pergunto, afinal para que serviu a CEE, para sermos cada vez menos nós e sermos
cada vez mais deles, os que mandam, os donos de tudo, os senhores do poder e do
dinheiro, que eleitos pela maioria do povo, só se preocupam com uma minoria,
justificando com o, bem maior?
dc
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