terça-feira, 19 de maio de 2020

Não me sujem a água


Eu sou pato não quero que me sujem a água, preciso dela para mergulhar o pescoço e depois coçar a plumagem. Quero a liberdade do rio, do lago, ou qualquer outro lugar onde exista um espelho de água, nela possa mergulhar e sentir as suas ondulações. Não me importa que o sol plante luz e sombra, conforme lhe ocorre, eu escolherei qual o momento de me passear. Os meus amigos patinham como eu, deixando um rasto de ondulação riscando a trajectória. Por vezes, quando cai uma folha junto de mim, que começa a navegar como um pequeno barco e deixo que ela vá, como eu, sulcando a própria vida e leve as "patices" que em mim, observou. Aqui neste pequeno ribeiro, onde agora me encontro, não existem reis nem governantes que me destinem rotas, aqui a minha natureza se revela, dentro duma outra que me envolve e me completa.
Há uma criança gargalhando algures tão feliz como eu, mexendo na água deliciando-se por sentir o desconhecido. Ela ainda não foi racionalizada, ainda é um céu infinito de intuição, não precisa descrever, ou explicar, por que razão a humidade, o frio da água e as ondulações, que as suas mãos provocam, a tornam feliz. Aquela criança está mais próxima de mim que dos seus, mas um dia vai-se racionalizar e esquecer a água como agora a sentiu. A gargalhada dela rompe o ar, os pássaros, e nós, começamos todos a falar ao mesmo tempo, quebrando o silêncio e o vazio envolvente. É um colectivo que quer falar, que quer comunicar, para que ela um dia sinta a diferença, entre o hoje sentido, e o futuro, em presente acontecendo.

dc


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