Deitada com as costas coladas
ao chão, as lágrimas corriam do rosto humedecendo a parte da nuca. Brotavam
como a fonte de um rio, corriam soltas, como se dirigissem para foz, na sua
inevitável natureza. Seria espera, a ausência, a partida ou a chegada que nunca
aconteciam. As razões eram tão profundas, bem dentro de si, que não encontrava
a razão daquele chorar. Na realidade nem sabia porque se encontrava ali
deitada, naquele chão de madeira tépida, nem se nisso havia algum objectivo.
Pernas lassas, ligeiramente abertas, mãos sobre as coxas, o olhando o tecto,
naquele efeito de vidro partido, que esquarteja a imagem, em múltiplos bocados.
De fora chegavam os vários ruídos de ambiente pássaros, o guindaste da obra, o
vozear longínquo de pessoas, tudo filtrado pela distância, fazendo-a mais só
naquele chão. Teria de se levantar, não podia ficar ali eternamente naquele
choro suave que a dominava. Pensava, mas não conseguia encontrar forças para o
fazer. A lassidão tomava o seu corpo, parecia deixar-se ir, diluir-se naquele
chão perdendo a sua forma, assumir ser um local onde os pés pisam. Seria mais
uma vez chão de todas as coisas que não sabia a razão de acontecerem. Não
sentiria, como o chão onde se deitava, só ficariam as marcas, umas mais
profundas outras mais subtis, sem saber quem as fez, ou quantas vezes.
A coragem aconteceu, vindo do nada. Repentinamente, levantou-se, foi a correr
ao espelho casa de banho, olhou-se nos olhos e viu uma chama lá no fundo que
lhe dizia, pára de ser lamecha, agarra-te a vida, ao sonho, cria o teu
objectivo e nada te poderá derrotar. Estás a ficar depressiva dizia-lhe o
espelho. Esse teu chorar sem origem ou conhecimento, é a tua mente
atraiçoando-te, a tua emoção esmagando a tua racionalidade. Veste-te do luxo da
tua força e querer e vai-te à vida que a morte é certa. Encaixou um sorriso na
boca, foi para debaixo do chuveiro deixar que água lavasse todas as lágrimas e
dores se as havia. O dia ainda agora começara. Vive o dia como se não houvesse
mais amanhãs.
dc
segunda-feira, 31 de agosto de 2020
Às vezes acontece
quarta-feira, 5 de agosto de 2020
Sem máscaras
A esplanada estava quase
vazia, cumprindo a distância social com número reduzido de mesas. Acabara de
tomar o café e saboreava, o seu gosto característico que ainda permanecia na
boca, enquanto isso ia apreciando aquele espaço sem máscaras, repousando o corpo
e a mente. Um beijo com sabor a café e sem máscaras, foi o mote para o que lhe surgiu da
memória.
Nunca precisavam de muitas falas, os caminhos, muitos e variados, eram
feitos com as mãos e as bocas que os sabiam todos de cor, não precisavam de
mapa. Estavam, no entanto, disponíveis para a novidade, ou descobertas
inesperadas. Nunca seguiam o mesmo ritmo, não gostavam de se repetir, do nada
nascia o acontecer, sem dia ou hora marcada, começavam simplesmente a ferro e
fogo até a bonança chegar. A bonança chegava com o ar carregado de diferentes
cheiros, um brilho nos olhos, depois, as mãos se enlaçavam, e ficavam, ombro com ombro,
num falar solto, até o murmúrio antecipar o adormecer, amo-te!
dc