Deitada com as costas coladas
ao chão, as lágrimas corriam do rosto humedecendo a parte da nuca. Brotavam
como a fonte de um rio, corriam soltas, como se dirigissem para foz, na sua
inevitável natureza. Seria espera, a ausência, a partida ou a chegada que nunca
aconteciam. As razões eram tão profundas, bem dentro de si, que não encontrava
a razão daquele chorar. Na realidade nem sabia porque se encontrava ali
deitada, naquele chão de madeira tépida, nem se nisso havia algum objectivo.
Pernas lassas, ligeiramente abertas, mãos sobre as coxas, o olhando o tecto,
naquele efeito de vidro partido, que esquarteja a imagem, em múltiplos bocados.
De fora chegavam os vários ruídos de ambiente pássaros, o guindaste da obra, o
vozear longínquo de pessoas, tudo filtrado pela distância, fazendo-a mais só
naquele chão. Teria de se levantar, não podia ficar ali eternamente naquele
choro suave que a dominava. Pensava, mas não conseguia encontrar forças para o
fazer. A lassidão tomava o seu corpo, parecia deixar-se ir, diluir-se naquele
chão perdendo a sua forma, assumir ser um local onde os pés pisam. Seria mais
uma vez chão de todas as coisas que não sabia a razão de acontecerem. Não
sentiria, como o chão onde se deitava, só ficariam as marcas, umas mais
profundas outras mais subtis, sem saber quem as fez, ou quantas vezes.
A coragem aconteceu, vindo do nada. Repentinamente, levantou-se, foi a correr
ao espelho casa de banho, olhou-se nos olhos e viu uma chama lá no fundo que
lhe dizia, pára de ser lamecha, agarra-te a vida, ao sonho, cria o teu
objectivo e nada te poderá derrotar. Estás a ficar depressiva dizia-lhe o
espelho. Esse teu chorar sem origem ou conhecimento, é a tua mente
atraiçoando-te, a tua emoção esmagando a tua racionalidade. Veste-te do luxo da
tua força e querer e vai-te à vida que a morte é certa. Encaixou um sorriso na
boca, foi para debaixo do chuveiro deixar que água lavasse todas as lágrimas e
dores se as havia. O dia ainda agora começara. Vive o dia como se não houvesse
mais amanhãs.
dc
segunda-feira, 31 de agosto de 2020
Às vezes acontece
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