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segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Às vezes acontece


Deitada com as costas coladas ao chão, as lágrimas corriam do rosto humedecendo a parte da nuca. Brotavam como a fonte de um rio, corriam soltas, como se dirigissem para foz, na sua inevitável natureza. Seria espera, a ausência, a partida ou a chegada que nunca aconteciam. As razões eram tão profundas, bem dentro de si, que não encontrava a razão daquele chorar. Na realidade nem sabia porque se encontrava ali deitada, naquele chão de madeira tépida, nem se nisso havia algum objectivo. Pernas lassas, ligeiramente abertas, mãos sobre as coxas, o olhando o tecto, naquele efeito de vidro partido, que esquarteja a imagem, em múltiplos bocados. De fora chegavam os vários ruídos de ambiente pássaros, o guindaste da obra, o vozear longínquo de pessoas, tudo filtrado pela distância, fazendo-a mais só naquele chão. Teria de se levantar, não podia ficar ali eternamente naquele choro suave que a dominava. Pensava, mas não conseguia encontrar forças para o fazer. A lassidão tomava o seu corpo, parecia deixar-se ir, diluir-se naquele chão perdendo a sua forma, assumir ser um local onde os pés pisam. Seria mais uma vez chão de todas as coisas que não sabia a razão de acontecerem. Não sentiria, como o chão onde se deitava, só ficariam as marcas, umas mais profundas outras mais subtis, sem saber quem as fez, ou quantas vezes.
A coragem aconteceu, vindo do nada. Repentinamente, levantou-se, foi a correr ao espelho casa de banho, olhou-se nos olhos e viu uma chama lá no fundo que lhe dizia, pára de ser lamecha, agarra-te a vida, ao sonho, cria o teu objectivo e nada te poderá derrotar. Estás a ficar depressiva dizia-lhe o espelho. Esse teu chorar sem origem ou conhecimento, é a tua mente atraiçoando-te, a tua emoção esmagando a tua racionalidade. Veste-te do luxo da tua força e querer e vai-te à vida que a morte é certa. Encaixou um sorriso na boca, foi para debaixo do chuveiro deixar que água lavasse todas as lágrimas e dores se as havia. O dia ainda agora começara. Vive o dia como se não houvesse mais amanhãs.


dc

quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Sem máscaras


A esplanada estava quase vazia, cumprindo a distância social com número reduzido de mesas. Acabara de tomar o café e saboreava, o seu gosto característico que ainda permanecia na boca, enquanto isso ia apreciando aquele espaço sem máscaras, repousando o corpo e a mente. Um beijo com sabor a café e sem máscaras, foi o mote para o que lhe surgiu da memória.
Nunca precisavam de muitas falas, os caminhos, muitos e variados, eram feitos com as mãos e as bocas que os sabiam todos de cor, não precisavam de mapa. Estavam, no entanto, disponíveis para a novidade, ou descobertas inesperadas. Nunca seguiam o mesmo ritmo, não gostavam de se repetir, do nada nascia o acontecer, sem dia ou hora marcada, começavam simplesmente a ferro e fogo até a bonança chegar. A bonança chegava com o ar carregado de diferentes cheiros, um brilho nos olhos, depois, as mãos se enlaçavam, e ficavam, ombro com ombro, num falar solto, até o murmúrio antecipar o adormecer, amo-te!


dc


segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Se não sais de ti





"Se não sais de ti, não chegas a saber quem és."
 José Saramago


Determinas o espaço
Do tempo escasso
Que te sobeja
Assim queres que seja

Fechas a porta
Sem olhar para trás
E esperas que não fuja
E que aguarde por ti

Se não sais de ti,
Se me dás o que te sobra
O tempo não se desdobra
E fico sem saber quem és.



dc

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

não me tragas o teu silêncio...




não me tragas o teu silêncio, que o meu já é muito pesado
não digas que falo demais, se o teu silêncio me corta a palavra
não me digas ter de lutar pela vida, quando a minha foi isso mesmo
não digas que sou teimoso, por resistir ao que me é imposto
não me digas que não sei o que é desgosto, se tantas vezes me desgostaste.

não digas que eu parta, quando sabes que quero ficar
não digas para não temer, se todos os dias temo te perder
não digas para ter calma, se todos os dias me pões em alvoroço
não digas que o longe incomoda, se não fico-me pelo nosso esboço
não digas nunca mais, porque eu sei que nada é definitivo.

diz sempre que vale a pena, tanto querer
diz que a vida não é um poema, mas que o amor pode ser
diz que temos caminho para fazer o nosso viver
diz sim, que me queres, mesmo desfolhando malmequeres
diz que somos unha e carne, mesmo que hajam unhas partidas
diz que amar nem sempre dura, mas que vale a pena a aventura.

se o silêncio se esgotar e algo de novo resultar
temos a certeza da aventura
que há muito andamos a sonhar.

dc

terça-feira, 6 de outubro de 2015

O Ser, da gente






Pousam
No teu contorno
As folhas caídas
De Outono

Escolheram
Teu corpo
Tua frescura
Tua forma
Tua candura

No acaso
Do seu cair
Acentuaram
Tua beleza
Com a cor
Da natureza

Folhas caídas
Na terra
Em seu tempo
Numa troca
De’vidas
Como húmus
Do renascer

Assim
Como na pele
Assim
Como no corpo
E seu ventre
Cai a semente
Nasce humano
O Ser da gente

dc

terça-feira, 15 de setembro de 2015

O Gato



Fixo, hipnoticamente, o meu olhar felino, apoio-me em leituras várias e penso na humana condição, no que agita os Homens e as suas fraquezas e pasmo em tanto corre, corre, que me deixa agoniado, no passar das horas. De tal modo me preocupo, que lhes cedo a maciez do meu pêlo para que nas horas de paragem possa desvanecer seu stress. Se não fosse a minha, já agora, condição, poderia levá-lo a perceber, que eu nas minhas sete vidas, arrisco mais por prazer, do que pela necessidade de fazer .
E nessa vida onde eles se movem, são menos independentes que eu próprio que me dou melhor com na evolução com cão, do que eles na evolução se dão uns com os outros. Por isso, cada vez mais gato, me reservo de considerar que precisam mais eles de mim do que eu deles, E neste meu ronronar de prazer, que a leitura onde evoluo me dá, agradeço a sua descoberta do fogo e sua iluminação, que muito me ajudam sem precisar de óculos para ver.

dc

domingo, 6 de setembro de 2015

As mãos. Porque hoje é domingo




Foi sempre assim, lembras-te? Nunca se percebia onde acabava um corpo e se iniciava outro, as mãos que se apertavam, ou soltavam, com a expressão das emoções e os cheiros somavam informação ao que fazíamos e como nos amávamos.

Era pouco o tempo de estar, mas longo o prazer naquele chegar de reencontro, como se fôssemos redescobrir cada poro da pele, cada pequena forma da morfologia do corpo, cada brilho do olhar, o sabor de cada beijo molhado ou simplesmente corpos se roçando ao de leve. No entanto eram as mãos se agitando, a melhor expressão e assinatura do momento, sondando cada espaço, como se cada toque farejasse cada pedacinho de nós. E eram elas, mais tarde, que nos amarravam um ao outro, um dentro do outro, cada um se perdendo no outro, cada vez mais fundo, mais longe, atordoados naquele retomar do tempo perdido. Nem mesmo, quando temporariamente saciados, elas se afastavam, permaneciam coladas, como se procurassem manter todo aquele momento, como prisioneiras presas por perpétuas grilhetas.

O domingo, habitualmente o espaço da partida até nova chegada, O silêncio marcava a angústia da despedida, os olhos brilhavam, mais do que nunca, e o beijo tinha o sabor da ausência que se avizinhava, a dor da distância. Por vezes, ficava-me a pensar de forma egoísta: “não deveria haver dias da semana, mas só domingos” ou então, “poderíamos ter o livre arbítrio, de alterar o que nos impede de que todos os dias sejam domingos”. É, o domingo era já no dobrar da esquina do tempo, mas parecia uma eternidade até acontecer..

Nesse fecho do dia, as mãos voltavam a se aprisionarem até ao adeus temporário, em que o aceno era o remate final.

dc

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Porque não....


beijo cruzado
línguas
irrequietas
mãos se agitam
nas descobertas

boca descendo
nos limites
da pele
suave de mel
boca
quente
no topo
das coxas
humedece
seu ventre

suas mãos
tacteando
seu peito
provocam
suspiros
no auge
perfeito.
amar
sem egoísmo
num vice
sem versa
não é altruísmo
é amar
sem pressa.

dc

sábado, 8 de agosto de 2015

IMPULSIVA






só preciso
do cheiro
da boca
imprecisa
do olhar
preso
ao meu falar

depois
com o tempo
a passar

com
o seu tocar
o beijo roubado
a carícia
impensada

tudo pode
acontecer
no espaço
dum segundo
alterando
o meu mundo.


dc

sexta-feira, 24 de julho de 2015

Usufruir o momento



seduziu-me
o desenho dos lábios
a humidade da sua boca
a agitação do beijo


línguas se movem
bocas se cruzam
roçando a pele
se dando ao prazer


o beijinhar se prolonga
sem percurso definido
na lonjura dos corpos


lentamente
na memória dos cheiros
fugindo da rapidez ansiosa


vão mais longe e fundo
no prazer de usufruir
o momento
de possuir sem tempo.


dc

quarta-feira, 15 de julho de 2015

SOMBRAS


Sonhamos encontrar nas sombras o que nos foge. Entreaberta, nos espaços, se revela a distância que nos separa da totalidade daquilo que procuramos.
Nem sempre o que parece é. Inteiro, será todo o corpo e aquilo que o move. Importante, tanto mais que as formas desenhadas quase perfeitas(?), são os intervalos, imbuídos de afeição, que o completam.


dc

domingo, 12 de julho de 2015

REFLEXO D'outra VIDA




Tu nua, eu vestida que importância isso tem,
de uma ou de outra forma cada uma como convém
se a mente está limpa do que possa pensar alguém.

Não te vejo nua, nem certamente me vês vestida,
ambas somos o reflexo de toda uma outra vida


dc

de SOMBRAS VESTIDA




Escondo o corpo e as vontades do olhar mundano, que me possa observar, mesmo quando nua, tudo me apetece revelar, a natureza me surpreende e de sombras me veste.

Na verdade com alguma hipocrisia, se não, não seria de lingerie que me vestia.

dc

sexta-feira, 10 de julho de 2015

Colorir os dias



Sei que gostava
Sei que ouvia
Sei que lia
Sei que sorria
Sei que adorava

Os sorrisos
A gargalhada
A estória do dia
Contada
Num intervalo
De tempo
Que a vida
Encontrava


Assim acontecia
As palavras
Se soltavam
Os olhos brilhavam


Na boca desenhada
Os lábios tremiam
O seu corpo
Se insinuava
Da noite
Ao romper do dia
Trazendo consigo
Prazer e alegria


Nem tudo
Era perfeito
Na mente
Ou no corpo
Mas só não tem defeito
Quem já está morto


Se fosse tamanha
A beleza
Ou especial
A sedução
Ficaria na incerteza
Se era amor
Ou ilusão.

dc

quinta-feira, 9 de julho de 2015

inDECISÃO



Fixa-se a mente no que já não é
Vive-se o que não se viveu
Com medo de perder da vida o chão
Ou o amor não ter pé

Tivesse tomado a decisão
E vivido o momento

Hoje seria livre da avaliação
Repetitiva do pensamento.

dc

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Falar de Quê?



De repente a banalidade, a omissão, como se nada mais houvesse, se não isso mesmo. Falar de quê e para quê? Só o silêncio, dando crédito à dúvida, confirmando quanto estava perdido da promessa, efémero seria o tempo de viver e de amar.

De repente fica no ar a certeza de que nada existia, só palavras soltas sem crédito, sem verdade. Os jogos de amor são para utilizar no leito, com sabedoria e preceito, os outros são desconfiança, ou habilidades, que se usam para se enganar o tempo que se esvai e as vidas que nele decorrem.


O discurso desfaz-se, como se o amor pudesse decretar-se de repente morto, ou que se encontra em parte incerta.

dc

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Nem todos...



Nem todos nascem em berço reluzente, no conforto material e  aconchego sentimental. Muitos ascendem a homens ou mulheres, ainda de frescas carnes, sem tempo para temperar, o corpo e a mente, dão saltos nas etapas, sobem escadas pelo meio, correndo o risco da queda.

Do zero absoluto da primeira respiração, tudo se foi construindo em pulso duro, emoções controladas, aprendizagens forçadas. Os risos e sorrisos, leves instantes, desde de cedo em humor boçal, contrapõem a luta da sobrevivência feita à força de trabalho bruto.

Impingem-nos a materialidade em troca dos sentimentos, alfabetizam-nos na estupidez, formatam-nos na necessidade das forças de produção, e fazem-nos crer que a cultura, arte, e alegria não é para todos. Vivemos da ressalva, de que se muito trabalharmos talvez lá cheguemos. Importante é retirarem-nos palavras, emoção, lazer, futuro, e muito menos ter ideias com horizonte a fervilharem na mente. E a isto chamam civilização.

Assim os dias se desfazem como espuma do mar nos minutos do tempo. Dias fragmentados como as estórias que alicerçaram o formato mental e o corpo e se vão enterrando na carne, ficando, envolvendo, sendo estrutura, não sobrando margem para sonhos e enganos.

No entanto, ainda assim, há um punhado de gente que respigando do seio da sociedade, sonha, trabalha, divulga ideias, fomenta a luta, na procura de encontrar os caminhos para a mudança de paradigma. São eles a certeza da mudança.

dc

terça-feira, 2 de junho de 2015

VIAGEM



Por vezes esticamos o tempo
Por vezes o fazemos minguar
Depende do momento
E do que queremos alcançar.

Sem esquecer nessa viagem

Que em todos os passos dados
Para atingir um objectivo
Tão importante é o feito conseguido
Como os momentos que passamos
No percurso acontecido
.

dc

quarta-feira, 18 de março de 2015

NUMA MANHÃ ENSOMBRADA



Um dia, lá longe,as palavras que encontrei na manhã ensombrada, tinham orvalho nos olhos e na boca uma curva apertada:

Esperei
que o teu canto
chegasse
levando-me
como em sonhos
e neles encontrasse
a paz dos teus olhos risonhos.
Sentir-me voar
na tua luz
pondo fim à escuridão
alegrando meu dia
afastando a solidão.
Tal como o passarinho
no seu canto alegre
transforma
todo o cinzento em verde
e no seu voar
da vida não se perde


DC

sábado, 14 de fevereiro de 2015

Namorar é bom e eu gosto...


Gosto das conversas intermináveis, dos beijos à média luz no vão de escada, namorando de noite até à madrugada.
Oferecer flores apanhadas do caminho, dos lugares mais improváveis, com cores suaves e cheiros de natureza a condizer com a tua beleza.
Gosto de namorar na mesa do café, mãos dadas sobre o tampo, brincando com os dedos que se beijam de vez em quando. Atravessar o espaço, num dançar de tango, para te abraçar e beijar tua boca de morango.
Gosto de ir restaurante, não no dia marcado, mas de surpresa, sem nostalgia só procurando um sabor inesperado e continuar namorando.
Gosto de ver teus olhos brilhantes, quando caminhamos abraçados junto ao rio, olhando extasiados os horizontes distantes.
Namorar é bom, mesmo quando a vida é difícil e o tempo é curto, tira a nossa alma do luto. Namorar tem cheiros, tem beijos, abraços e desejos, momentos de paixão, loucura, outros de cheios de ternura.
Até na angustiante espera, namorar é bom tem o encanto da primavera.
Não quero saber, se é dia de Valentim, mas gosto de namorar assim.

DC