Suspenso, sem espera, o acaso determinará
quando inevitavelmente partirá. Há tanto tempo caído, ninguém irá reparar dos
tempos idos onde a sua presença era bem-vinda num qualquer espaço com vida. Agora,
fica-se, vazio, amarfanhado por dentro e por fora. Trapos o envolvem,
trapos são os restos da sua memória.
Desgrenhado, com a pele escurecida pela intempérie, o cheiro marcando o seu
lugar de passagem, diz do alheamento do passar do outro mundo paralelo, do qual
já não se sente parte. Pisado, nuns casos por aqueles que lutam pela sobrevivência
na luta dos dias, e noutros casos pelos que tem prazer e mesquinhez de sentirem
o pisar da sola do sapato, a pobre existência dos outros. Continuará fazendo
cama nos portais das casas, enjornalado, ou encartonado, afugentando o frio e
entupindo passagens. Se nos campos, debaixo de algum telheiro, irá observando
as águas tombando do céu sobre as terras, sabendo que o renascer possivelmente já
não será o seu. A sociedade desnuda de humanidade, não chorará a sua partida. Quando
definitivamente ausente, os conviventes passantes, que tapam o nariz ao vê-lo
nos seus andrajos, ficarão pedindo ao céu que não regresse um outro com uma
nova roupagem e outras dores que não conhecem. Alguns, poucos, de pituitária
menos sensível, mas de sensibilidade apurada, ainda se preocuparão em amenizar
um pouco dos seus dias, não em datas festivas, porque, humanos solidários, sentem como suas, as lágrimas, ou o descaminho,
daquela gente que algures se perdeu na caminhada e não mais encontrou rumo. As
roupas velhas com que os vestem, ou a comida que lhes oferecem não resolve, nem
limpa consciências, sinaliza sim que se importam, mesmo que de mãos atadas se
sintam incapazes de maior impulso. Dão um sinal de que é preciso mudar as
consciências. Que o momento é de aprendizagem e não de medos, tempos de avaliar
o quanto somos capazes de mudar e de fazer melhores escolhas para a vida que
queremos para nós e para os outros.
dc
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