segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Cozinhava excessos

Contrariando o ditado popular que diz há sempre um testo para uma panela, sempre escolheu com critério adequado. Não cozinhava para qualquer alguém, o seu gosto gourmet exigia uma escolha criteriosa. Era tão exigente nisso como nos utensílios, nos produtos e a sua qualidade, nas medidas certas da receita, na confecção amorosa e cuidada. Enfeitava a preceito o local de degustação, de modo harmonioso e sedutor. As suas mãos mexiam-se com delicadeza, ou firmeza conforme as exigências e usava os dedos em gesto atrevido, para experimentar num toque subtil a doçura e a espessura da massa. Na boca fazia pausa com os alimentos para deles extrair todas as nuances e sabores, movimentando língua entre o palato e os dentes, deixando-se envolver no ambiente de aromas da degustação cuidada, enquanto saboreava o delicioso néctar das melhores colheitas entre um sorriso de aconchego e um piscar de olho. Apimentava quanto possível, deixava-se ir na envolvência do momento, e banqueteava-se nas delícias afrodisíacas da receita. Sem se interrogar se tudo saíra perfeito, a resposta emocional do outro, era suficiente. Sabia cozinhar os seus excessos, para fazer a catarse das incertezas e dar azo à oportunidade de viver momentos únicos.

dc


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