segunda-feira, 10 de maio de 2021

A imagem desfocada


Em determinado momento descobrimos, que a memória de alguém outrora importante nas nossas vidas, ficou reduzida a um rosto, tudo o mais, já se diluiu nos interstícios daquilo que fomos acumulando, como conhecimento físico, ou das emoções que percorrem a pele e se dispersam em milhares de terminações nervosas. Na imagem desfocada da memória os traços evidentes foram-se esfumando; os seus lábios, a cor dos seus olhos, o realce e forma das pestanas e sobrancelhas, os fios de cabelo, castanho-claro, esfumam-se no emoldurar do rosto, a delicadeza do seu nariz, em contraste com as maças do rosto, suaves e rosadas de outrora têm um desenho difuso. É um rosto que funciona de forma subliminar, que vai perdendo a capacidade de se evidenciar no meio de muitos outros que circulam ao seu redor, perdendo a clareza da forma, para se distinguir, dos demais; é uma imagem suavizada quase sépia de uma beleza estranha, que evoca tristezas e ausências, sem a consciência do porquê. Possivelmente, aquele rosto trouxe-o dos sonhos, numa última tentativa de resistência, à perda definitiva, caso contrário lembrar-se-ia dele com maior rigor e definição, assim como do corpo e outras coisas partilhadas, que estavam ligadas ao passado.

dc



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