... neles, só os olhos se agitam, mesmo quando fechados. Olham o de fora, imaginam
o de dentro. Em certos momentos, estou tão preso ao silêncio, que os olhos, mesmo
abertos, estão vazios para quem desconhece o entendimento. Voam mais além da
linha do horizonte, vagueiam pelo céu azul, mesmo que outras cores vivam e
continuem a ajudar a definir as formas no desenho dos objectos. Os pensamentos
fluem, o ruído é imaginação pura. O matraquear das palavras e das falas se
fazem num diálogo surdo, calmo sem a agitação do gesto. Os cheiros são
privilegiados, nos seus diferentes matizes, alimentam-se da memória que traz o
presente que me rodeia, mas também das ausências, sobretudo essas, cujo cheiro
ficou ligado a vivências, que pareciam esquecidas e de repente estão ali tão
nítidas. Sinto um arrepio percorrendo o corpo, adensando o silêncio,
afastando-me cada vez da realidade presente. Talvez seja isso o motivo deste
silêncio, que reservo, longe de quem não entende. Sobreviver, ao vazio para o
qual vamos caminhado, no correr do calendário, em que os dias deixam de ter
importância, somente o momento, a cada segundo é a vivência intensa do possível.
O meu tempo deixou de ser um lugar cronometrado por interesses alheios.
dc
Teu texto é muito bonito, me lembrou um pouco Manoel de Barros, nesta passagem: " ... neles, só os olhos se agitam, mesmo quando fechados. Olham o de fora, imaginam o de dentro. Em certos momentos, estou tão preso ao silêncio, que os olhos, mesmo abertos, estão vazios para quem desconhece o entendimento. [...]" O poema de Manoel de Barros é assim: "Difícil fotografar o silêncio.
ResponderEliminarEntretanto tentei. Eu conto:
Madrugada, a minha aldeia estava morta. Não se via ou ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas. Eu estava saindo de uma festa,.
Eram quase quatro da manhã. Ia o silêncio pela rua carregando um bêbado. Preparei minha máquina.
O silêncio era um carregador?
Estava carregando o bêbado.
Fotografei esse carregador.
Tive outras visões naquela madrugada. Preparei minha máquina de novo. Tinha um perfume de jasmim no beiral do sobrado. Fotografei o perfume. Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo. Fotografei o perdão. Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa. Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre. Por fim eu enxerguei a nuvem de calça.
Representou pra mim que ela andava na aldeia de braços com maiakoviski – seu criador. Fotografei a nuvem de calça e o poeta. Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa
Mais justa para cobrir sua noiva.
A foto saiu legal. " Olha-se o de fora, imagina-se o de dentro e o que fica "fotografado" é apenas o entendimento, o próprio silêncio.... �� Parabéns
pelo texto!!