terça-feira, 28 de maio de 2024

A voz da memória


Há memórias que lentamente se vão esvaindo, ao longo da vida. Vão-se transformando em resumos cada vez mais curtos e longínquos. Essas memórias, construidas, nas mais diversas circunstâncias da vida, feitas de momentos alegria e felicidade, desenhados e escritos na mente, com imagens, desejos e vontades. Todas elas, trazem algo de precioso, que em algum momento tentamos reviver. Uma paisagem, uma flor, uma brisa, um lugar à beira-mar, um passeio pela mata, um melro negro de bico amarelo, um peixe vermelho, a revolução com cravos, a luta contra os diabos, o amor na revolução, os olhos comunicando, um beijo com paixão, um abraço, as falas havidas, a criança que nasce, o primeiro choro; os cheiros, ah… esses tão difíceis de cativar na memória. E por fim, a voz, por de mais escutada, que se sobressai entre todos os ruídos e nos afasta da cegueira do esquecimento.
Quando o som da sua voz chegou, não ouvi, escutei, com todo o meu corpo, e todas as memórias regressaram, e recolocaram-me no mesmo sentir. Não me lembro bem do que conversamos, estava somente atento às memórias que se iam redefinindo, trazidas naquele momento à superfície. Findo o telefonema, olhei para aquele objecto tecnológico, e pensei, afinal, há memórias que se podem reciclar. Tiramos-lhe, os agravos e desacertos, e tornam-se mais leves e agradáveis, até se lhes pode acrescentar mais esta, que agora se escreve, ao arquivo central, das emoções.


dc

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