quinta-feira, 23 de maio de 2024

Meditar de fato-macaco


Está sentado no banco do jardim. Veste uma espécie de fato-macaco escuro, com marca de uma empresa, no peito do blusão, que parece ser de uma oficina mecânica, talvez a mecânica seja a sua profissão. À sua frente, e nas suas costas, estão os prédios da cooperativa, que tem um nome sugestivo “Gente do Amanhã”. Não é a primeira vez que por ali está. Aquele é o lugar, que parece ter sido, escolhido para se isolar e fazer o seu almoço. Ele chega, encosta a bicicleta no gradeamento, e ali, longe de restaurantes acessíveis, e possíveis, tira a sua bucha e com ar meditativo inicia o seu repasto. O seu olhar, abrange a zona ajardinada e a parede do prédio à sua frente. É um olhar vago, como que perdido, entre a mastigação e os pensamentos que o assaltam, naquela meditação procurada. Os pássaros, sentem-no e na ânsia de encontrar pequenas sobras, rodeiam-no de forma agitada, em diferentes pio, pios. Os melros, que abundam naquele lugar, percorrem a zona relvada, movimentando-se na procura de galhos e comida. Nem a sua graciosidade, motiva a sua atenção. Nada parece afastá-lo daquele ar vago. Está, como se procurasse encontrar a explicação, para aquele seu, estar ali. Fica-me a dúvida, se a razão de estar ali, tem a ver com uma razão de ordem económica, ou simplesmente, foi uma forma por si escolhida de encontrar a própria paz. No meio de toda a luta diária, dos dias de hoje, encontrar paz, e recuperar o equilíbrio, é quase obrigatório, para sobreviver.
O primeiro de Maio, dia do trabalhador, celebrou-se há alguns dias, muito há ainda para lutar. Questiono-me: será que ele pensa, na gente do amanhã? Terá ele algum dia ouvido, ou lido, o poema de Vinicius “Operário em construção”?


dc
………

     Um silêncio de torturas 
     E gritos de maldição 
     Um silêncio de fraturas 
     A se arrastarem no chão. 
     E o operário ouviu a voz 
     De todos os seus irmãos 
     Os seus irmãos que morreram 
     Por outros que viverão. 
     Uma esperança sincera 
     Cresceu no seu coração 
     E dentro da tarde mansa 
     Agigantou-se a razão 
     De um homem pobre e esquecido 
     Razão porém que fizera 
     Em operário construído 
     O operário em construção.

                 (última parte do poema "Operário em construção" de Vnicius de Morais)


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