Vai entrando pelos ouvidos, na calada da noite, O violino, o violoncelo, o piano... tudo correndo como que de improviso, como se a nota de cada instrumento, se entrelaçasse formando um caudal de diferentes rios sonoros, que desaguam na foz que eu sou, Um caminho de estrelas e luas, um mar onde espraio o olhar e me prendo no seu ondular de tonalidades.
Música, tão abstracta e tão terra, Com ela o voar dos pássaros, o correr dos rios, a brisa no seu deslizar, os ventos no seu agitar o rumor da folhagem, É natureza e sua vida em seu movimento, É o sono de criança, é o cheiro do teu corpo, é o abraço de aconchego, És tu no meu leito a respirar, é o som do teu beijar, a carícia sobre a pele a latejar.
O piano dedilhado, sob dedos sábios, indica o caminho onde o sonho acontece, Eternamente repito, ouvindo e tornando a ouvir, como se quisesse chegar a um lugar chamado Infinito, num percurso palmilhado passo a passo.
Silêncio sonoro, soltando emoções em lagos, que se derramam em cataratas de espuma branca, aligeirando a alma e colocando as asas no meu voo.
Não sei, se, se apercebem como acontece o silêncio, Dizem que o silêncio é quando não se ouve ruído nenhum do exterior, mas não é verdade, Silêncio é quando dentro da nossa cabeça já nada se manifesta, isso sim é que é o silêncio.
Sentei-me no sofá em “silêncio” e continuava a ouvir um ruído de fundo nos ouvidos, Para fora existia o silêncio da noite, o mínimo ruído parece um trovão, Ouve-se um alfinete a cair no chão, ou as plantas a crescer, Eu sentia, ao concentrar-me nesse tal espaço sem ruído, que dentro, nos meus ouvidos, na minha cabeça, no meu cérebro continuava um barulho como uma fábrica de produção contínua, percepção esta que durante os outros espaços de tempo do dia, não sentia nem parecia funcionar.
Concentrei-me nesse silêncio que não era, esperando respostas, respostas que não podia ter, tal era o ruído que de forma ensurdecedora se apoderava da minha cabeça, Como uma fábrica com as máquinas a funcionar e as vozes de fundo dos operários. E pensava, ali no “silêncio”, “devem ser os neurónios a trabalharem, a dar ordens para os diferentes sítios do corpo do corpo. Deve ser difícil coordenar as diferentes tarefas, para as diferentes partes do corpo. - tu aí, deixa entrar o ar e sair...Ei oha estômago para de fazer barulho ainda há pouco tempo jantaste...coraçãozinho não abuses...lá pelos olhos te mostrarem coisas bonitas, estás proibido pelo médico de exageros...”, e por aí fora, Talvez o ruído seja mais o de um estádio de futebol com milhares de vozes. Para comandar este corpinho... muitas ordens têm de ser dadas. Assim fui entrando na meditação, que não procurei, fechando os olhos e deixando correr o tempo, perdendo as razões do silêncio e especulação de tudo que tinha pensado, Talvez por isso me esquecia de dar boa noite, tinha medo de interromper as tarefas aos neurónios e acabar por criar uma confusão de mensagens propicias a uma circulação em estrada AVC.
Acordei de repente e meio estremunhado levantei-me do sofá, fui beber um copo de água à cozinha e fui para cama, onde fiquei a contar carneiros com o seu silêncio e as frases em balão mmmé mmmé mmmé. DC
Sei do teu incómodo com o meu constante falar e que precisas de mim pela voz quebrando o teu silêncio Sei que não me amas mas precisas do meu amar quando me olhas concedendo a ternura Sei que sentes em ti toda a minha tristeza e amargura Sei porque sei e senti que estás longe e te afastas Sei que não estou nos teus sonhos vives a tua realidade do momento Sei que fazes o luto do nosso “tempo” para que morra o encantamento.
...... umas frases e fico estarrecido porque elas levaram parte de mim, Tento que elas falem de outros escondendo-me em adjectivos, substantivos e questões gramaticais, para ficarem pela neutralidade dos meus sentimentos, No entanto, depois de escritas, ao lê-las não consigo que elas sejam dos outros, Agarram-se me na pele, penetram-me os ossos e fico mirrando por dentro com medo de voltar a arranhar uma ou duas palavras, que eu gostaria dos outros falassem, Será universalidade das emoções, da linguagem, ou em mim o defeito de não conseguir simplesmente a neutralidade das frases fáceis em português absolutamente correcto?
Como diz Jorge de Sena, abusarei do analfabetismo?
DC
A diferença que há
Jorge de Sena
A diferença que há entre os estudiosos e os poetas é que aqueles passam a vida inteira com o nariz num assunto a ver se conseguem decifrá-lo, e estes abrem um livro, lêem três páginas, farejam as restantes [nem sequer todas] e sabem logo do assunto o que os outros não conseguiram saber. Por isso é que os estudiosos têm raiva dos poetas, capazes de ler tudo sem ter lido nada [e eles não leram nada tendo lido tudo]. O mal está em haver poetas que abusam do analfabetismo, e desacreditam a gaya scienza.
Elos Desgaste Vida Ferro Ferrugem Tempo Intempérie Mar Corrente Gente Força Tracção Pedaço Estaleiro Barco Aço Marinheiro Espaço Convés Água Marés Ondas
Coragem Medo Ancoragem Navegar Sextante Navegante Descobertas Memória Glória Pátria Povo Tudo sugere uma corrente Surgida à minha frente
...... de amor Um abraço de amizade Um abraço de calor Um abraço de saudade Um abraço de chamego.. Nem sempre abraços Envolvendo um corpo Por vezes só palavras Por vezes um expressão de fim de texto São abraços de qualquer jeito Usados como pretexto Que nos enchem o peito Direi querido abraço Que aproximas o meu amigo Afastas o meu inimigo Que dás cor aos meus braços Não deixes que o cansaço Te impeça de a todos dar O aconchego e o calor Dum abraço no seu apertar
Correndo as notas da música, encontrei nas teclas do teu corpo as respostas ao meu amor. Cada nota surgida era um beijo, e no andamento o ritmo da vida que possuímos, A cada pauta preenchida na pele de teu corpo, uma nova música nos envolvia e encantava, De cada um dos diferentes sons fizemos a linguagem das noites e do dia fizemos instrumento das melodias que íamos construindo. Fizemos amor entre colcheias e semi-colcheias, dó menor ..dó maior, e um fá sustenido sempre que necessário.
Se fizéssemos o conservatório de um Kama Sutra, ou de Uma filosofia de Alcova, não seria tão perfeito o concerto das nossas vidas.