terça-feira, 27 de outubro de 2015

Apeteceu-me



Não gosto do “amor liquido”, essa moderna forma de estar perante o amor. Gosto do trabalho que dá amar e viver com o amor que se tem, que se partilha, que não se perde nos acidentes de percurso, à primeira zanga, porque é fácil mudar para nova versão de uma coisa que ainda nem é. Por isso ainda gosto de beijos molhados, que selam a palavra mais desadequada, numa boca que sabe reconhecer que um beijo é mais do que uma vírgula, é um ponto final de algo que nem sequer teve tempo de acontecer para perturbar. E muitos outros beijos poderão continuar a frase o pensamento e a realização física do enlevo do que os une. No dia em que o beijo não for um ponto e ficar só pela vírgula, será melhor parar para pensar que pedra está atravancando o caminho daquele beijo....
( Que temos nós a ver com isto? Pensarão alguns. Nada apeteceu-me escrever sobre o assunto e depois, não posso?)

dc
 ....
O amor líquido é a transformação dos homens em mercadorias, é a solidão de uma sociedade individualista que busca relacionar-se, mas sem se envolver, como se as pessoas fossem descartáveis. A insegurança impede que raízes sejam fincadas, que o produto acabado transforme-se em produto construído, que alguém esteja dentro de mim. No máximo o que são permitidos são os "relacionamentos de bolso", os quais você guarda no bolso de modo a poder lançar mãos deles quando for preciso.
......
http://obviousmag.org/genialmente_louco/2015/o-chove-nao-molha-do-amor-liquido.html#ixzz3pQ2oLReB


Uma Outra SOmbra






Eu olho a sombra, que não é minha, como se fosse, para que não sinta a tua ausência.

É a sombra do balanço com que figuramos o nosso estar, próximos, mas não iguais, Distantes e no entanto o suficientemente perto para sabermos que continuamos na pele um do outro, Ausentes não esquecidos, porque a falta nos lembra todos os dias os pormenores do que cada, num desenho rigoroso feito pela memória.

Nem sempre o que parece é, por vezes a nossa sombra não reflecte o que somos e o que fazemos, é somente a sombra do outro com quem partilhamos a capacidade de vivermos em comum aceitando as diferenças. Em cada um de nós há uma sombra que nos ajuda a viver a realidade, apareça ela travestida do que se queira.

Hoje leio na sombra, como a vidente no fundo da chávena de café, que o futuro ainda é possível e podemos abraçar mais tarde ou mais cedo as sombras que nós trocamos.

dc

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

SOmbra NUA




Gostei da sombra que vestiste
como uma segunda pele
como se tu melhor existisses
te não mostrando.
Em rigor a nudez da sombra
com que te vestiste
é a mesma com que te vestes
quando eu me desenho em ti
no fim das madrugadas
em que te afloro somente
dizendo estou aqui.

dc

domingo, 25 de outubro de 2015

USUFRUIR



Deixando-se ir, surfando a onda, naquela humidade densa que o seduzia e não parava de se agitar, tudo de dentro vinha ao seu encontro, como se todas as coisas novas, fluindo sem cessar, lhe ficavam na ponta da língua, como conhecimentos de memória curta, Chegavam trazendo o prazer da partilha da entrega e de sentir, recebidos em cadência sem quase ter tempo de gozar da aprendizagem.
Ser egoísta, na conquista do saber, libertar os hábitos de submissão adquiridos, usufruir do seu próprio prazer e dele dar conhecimento. Sensibilidades diferentes, perante momentos iguais e sem perda para ambos, na construção mais sólida do legado da vida. O conhecimento não é linear, nem apreendido de igual forma por todos, necessário será que cada um o tome do modo mais coerente consigo próprio e tente a fusão, um par será mais de que a soma de dois.

dc

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

a ESPERA



É a espera
É a esfera
É aquela
que desespera.

É redonda
É um sem fim
É uma espera..
ai de mim

Se é redonda
Porque será chata
Essa espera
Sem fato e gravata

A espera nos irrita
Tirando-nos do sério
É a paciência que grita
Perdendo seu critério

(Quem espera
Sempre alcança)
Diz o povo sem razão

Quem espera desespera
Nisso cai em contradição
A espera é um estafermo
Que nos ataca o coração.


dc

Uma espécie de sonHo



Se mais cedo me deitava
Mais depressa acontecia
O meu corpo no teu deslizava
E na noite te descobria

Todo um sentir imaginado
Num desejo antes pensado
Ainda estava eu desperto
E na noite tornou-se concreto.

Cada detalhe ou relevo
Assumia a sua importância
E na boca o sabor e enlevo
De cada pequena reentrância

Sem qualquer preconceito
Sôfrego insaciável
Cada descoberta a seu jeito
Num prazer inexplicável

Só o surgir da madrugada
Arrefeceu tudo aquilo que sentia
Tudo reduziu a pó e nada.
E desfez o sonho que acontecia.

dc

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Um dia menos feliz





Quando às dores do corpo se juntam, às que dentro nos consomem, a vida se inferniza e só queremos que tudo pare num instante. A vontade de resistir se esvai e aproveitamos os intervalos, em que ela se suspende, para ficarmos como aturdidos sem pensar. Por vezes as lágrimas correm não pela dor, mas pela sua ausência, que nos permite segundos de felicidade.
Se acreditássemos que temos o destino traçado, teríamos de descobrir quem foi o “Filho da Mãe” que o fez assim. Com direito ele decidira que teria de ser tão mau...e que a dor deveria estar escrita nos ossos, na pele...e dentro apertando como um torniquete, lentamente, retirando-nos o discernimento e o ar com que respiramos?
Onde está a felicidade? Como a percepcionamos? Porque a desejamos tanto?
Não existirá ela, só no intervalo do infortúnio, da brutalidade da vida, Aí ela se faz sentir, curta, somente intervalo, para a chatice da continuidade, Daí o desejo, daí a sua valorização pelos humanos. Quase me atreveria a dizer, que felicidade e saudade, são parentes próximos, a ausência de uma ou de outra tirariam a percepção real do sentimento que elas representam em nós. Será? Assim penso eu neste dia menos feliz, onde duas dores se misturam, e um momento de paragem poderia ser felicidade.

dc