Foi enterrando os pés na
areia, como outros enterram a cabeça, só que ali fazia-o com o suporte do corpo,
os pés. Pisava a areia como se estivesse a esmagar as dúvidas, abafar a cólera
e a não deixar entrar outro ruído que não fosse o dos pés, o mar, a brisa e as
poucas gaivotas que o sobrevoavam. Sentia-se um náufrago abandonado pelo mar no
areal. As marcas iam assinalando a passagem e lançando-o para um longe que não
descortinava o seu fim. O mar estava intenso, ondas bravias descarregavam sua
força lambendo o areal, fazendo temer o banho possível. Naquela zona
desprotegida da praia, uma pequena distração no mar seria fatal. Pensava nisso:
“Já estou tão distante do lugar, onde as pessoas fazem a sua praia, nem nadadores
salvadores..”. Sentia uma espécie de vertigem, como se estivesse perto de um
precipício e sentisse a sua atração. Aquele sentimento de náufrago era estranho,
como se o tivesse vivido algures no tempo, num qualquer lugar remoto. Trazia
consigo uma espécie de angústia, como se estivesse perdido, sem saber qual o
rumo tomar, ou como sobreviver.
O Sol foi baixando, enquanto a brisa se acentuava acompanhada pela neblina. Sentiu
um arrepio no corpo, tinha de regressar, por muito que adorasse aqueles
momentos imprevisíveis e a sós, estava na hora de voltar ao mundo dos vivos. Aquele
desvio temporário do mundo real, dera-lhe alento para ultrapassar todas as
dificuldades que nos últimos tempos o tinham tomado. A solidão não se instalou,
tivera tempo de conversar com a vida e ganhara a percepção do que afinal era
estar só.
dc