domingo, 23 de dezembro de 2018

A tua boca



Olho-te e só vejo os teus lábios que de forma absurda me falam, mesmo no silêncio, pela cor, formato, espessura, pelos trejeitos vários que assumem em cada circunstância, dando forma à ironia, ao sorriso, à gargalhada à ternura, ao bocejo, como enriquecem a existência da boca. 
Quando me atrevo, desenhar a tua boca com os meus dedos, é como um despertar da intimidade, um acordar dos sentidos é a vontade de sentir a sua humidade. Tocar esse batom vermelho dos teus lábios, antes de, seguindo os dedos, pousar sobre eles os meus. A tua boca é minha entrada na tua alma, é porta dos meus suspiros, é o meu lugar de linguarejar, nesse diálogo surdo de palavras, um início de caminhada do viajar das emoções. Neles sinto-te por inteiro, neles chega esse amor que tanto me enternece, o apelo de todo o teu corpo nesse desejo são de quem ama possuir e ser.
Não desvalorizo todo o resto de ti e  aqui não se aplica o dito popular “é pela boca que morre o peixe”, perante ti, o peixe sou eu ao deixar-me inebriar pela tua boca.

dc

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Lamentos




Lamento que não tenham abrigo;
Lamento que sejam, abandonados;
Lamento que morram de fome;
Lamento que não tenham “ração” e comam do caixote do lixo;
Lamento que fiquem cheios de pulgas;
Lamento que nas férias os deixem em qualquer lugar;
Lamento que sejam mal tratados em qualquer canto e esquina;
Lamento que a sociedade não lhes crie condições de vida;
Lamento que não lhes dê tratamento para os manter saudáveis;
Lamento que no inverno morram nas ruas ao frio;
Lamento que os escorracem de tudo o que é lugar;
Lamento que fiquem traumatizados pelo abandono;
Lamento que cheirem mal, ninguém lhes oferece banho, preferem escorraça-los;
Lamento que muitos deles não tenham tido uma oportunidade;
Lamento que todos os dias se façam apelos à salvação e eles não estão incluídos;
Lamento muito mais, mesmo muito mais, que sejam tantos e tão pobres, muitos são pais, avós, filhos, tios irmãos de alguém e sintam que não lhe dão os cuidados de um animal de estimação.

dc


terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Silêncio cativo




Gosto de fotografar os meus silêncios, com o olhar de dentro. Nesse ficar na memória, dos galhos secos das árvores apontando o céu, nas poças da água que a chuva deixou, nas vozes, que não a minha, pressinto pelo mexer dos lábios. A respiração de mim que sinto, como um peixe dentro de água abrindo e fechando a boca, as pulsações do bater do coração, as passadas largas da caminhada, as marchas militares nos ouvidos, que parecem existir somente quando o silêncio é profundo, e só na nossa imaginação, vivem. Esse o silêncio, enorme dentro de mim, que não tem explicação, porque nele vivem palavras frases e vozes que não se ouvem, imagens fotografadas pelos olhos que não têm cartão digital, ou suporte de película, somente retidas algures num arquivo cerebral, a que nem sempre encontro capacidade de chegar lá.
Parei frente ao espelho, olhando nos olhos tentando encontrar, a reprodução do silêncio que tinha cativo dentro de mim e não reconheci, nem o rosto nem os olhos, nem percebi porque estava tão vazios, se eu, neste meu silêncio, os analisava. Enquanto isso um arrepio de frio quase mortal me percorria. Tentei gritar, mas a voz não saia, nem o corpo se movia, estava como congelado entre o mundo em volta e o que o espelho
reflectia. Sabem agora do que falo, quando digo não saber dimensionar o significado de tudo isto. Sei somente que neste silêncio, do qual não tenho dimensão do tempo e espaço que alcança, fico desgastado, despreocupado e quando algo exterior a mim, me tira de lá, é como se acordasse de repente, sem saber onde estou e o que fazia. Depois, instala-se um cansaço sedutor, que me leva aos confins do nada, onde a voz do silêncio não existe. Aí talvez seja o único momento em que descanso, sem saber se para sempre, ou por instantes, ou ainda se é o meu silêncio que “fala”

dc

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Há pessoas e pessoas



Há pessoas que não abraçam porque têm medo de se darem;
Há pessoas que temem os sentimentos profundos, preferem o bolor da superficialidade;
Há pessoas que se revelam na distância e apagam-se na proximidade;
Há pessoas que exibem o que não são, para seduzir quem não repara nelas;
Há pessoas que navegam em círculo, por que decidir tem custos;
Há pessoas que fogem da solidão, prendendo-se na solidão da gaiola informática;
Há pessoas que existem no fugaz momento do “big brother” das suas vidas;
Há pessoas que se agarram aos bens materiais e se perdem dos valores humanos;
Há pessoas que confessam os pecados, antes que algum deles aconteça;
Há pessoas que vivem de likes, de coraçõezinhos, sorrisos estereotipados da vida que revelam;
Há pessoas que virtualmente a dor de não serem a carne gostada, vivida, amada;
Há pessoas que nos desiludem, têm defeitos, porque são humanas e nós não queríamos;
Há pessoas que escrevem sobre estas merdas todas, com a consciência do tempo perdido.


dc