sábado, 24 de julho de 2021

Fim de tarde

Sonhava-lhe a boca, como os dedos flutuando sobre o corpo, causando o erótico subversivo. Olhava-a no fundo dos olhos e devassa-lhe o desejo, adentrando pelos interstícios e reentrâncias, no espanto da descoberta. O corpo tem uma morfologia própria e um odor que o faz um ser único. Essa identidade, que o transforma num ser apetecível à osmose, à sintonia que seduz quem vê, sente e cheira e o distingue entre os outros e cria memórias eternas. Assim reflectia e apurava os sentidos, olhando para além de mim, esperando que chegasse, focado no horizonte longínquo de fim de tarde, mitigando a saudade.

 

dc


segunda-feira, 19 de julho de 2021

Talvez o (a)mar



Esse teu sorriso iluminando o rosto seduz-me, é suporte deste meu desejo de esperar o reencontro. Escassos são os dias, que não fico, observando imagens do teu rosto; os teus contornos, as sobrancelhas, as pestanas, a cor dos teus olhos, a tua boca, o cabelo que o adorna. Chego até a imaginar, o modo como respiras, quando a emoção se adentra fazendo dilatar o peito num suspiro profundo. És uma musa que me traz ao pensamento e à boca as palavras, que guardadas se perderiam do seu sentido. És um sonho à luz do dia que se prolonga e atordoa vindo da noite agitada. Chegas assenhorando-te, da minha atenção, alimentas a minha criatividade, fazes o relógio mudar todo o seu significado do tempo e do verbo existir. És uma memória que não descortino a origem, de facto é como sempre existisses em mim, como o sangue que me circula nas veias. Perder-te seria como plantar vazios, em vez de flores, no jardim da vida. Talvez o (a)mar, talvez o sol, ou a brisa do fim de tarde, trazendo o aroma do pinheiro-manso e o silêncio dentro de mim, me tenham libertado para este meu dizer.

dc


quinta-feira, 8 de julho de 2021

Acontece



Na agudeza dos problemas da carne, ficam os sentimentos desvairados que ocorrem quando de longe se observam os efeitos. Ficam os olhos envidrados, a voz sufoca, a mente se treslouca e o porvir inadivinhável. Então tudo se dilui em foguetório sem blindagem, de bocas que se sufocam, corpos que se entrelaçam, num descaminho de emoções, onde nada prevê as consequências. Usufruir enquanto dura, sem criar barreiras ao pensamento e ao evoluir das emoções. Sem comprometimentos, colorir quanto possível, ausentes de objectivos e muito menos certezas. Começou e foi indo até onde deveria ir, com fim imprevisível, aproveitando a viagem que leva o mundo da imaginação ao mundo físico, provando todas as variações que os corpos se dispõem liberar. Mais do que trocar carícias e fluidos, é trocar integridades, num erotismo sénior, dando largura à vida e profundidade à existência. Viver a idade sem estorvo do calendário.

 

dc

segunda-feira, 5 de julho de 2021

Também o medo

 


Os “mortos” colocaram as máscaras para se simularem vivos. No lugar dos olhos, existe um buraco fundo onde se escondem as palavras, que os mortos não pronunciam. Uma vida que se gasta na espera que o medo se vá, que morra, e as ausências se percam pelo tempo. Incapaz de enxergar o rosto dos outros, fica-se por um pensar tolhido pelo medo. Muitos se afastam, cruzam as ruas de um lado ao outro, mudam de passeio, fogem das pessoas. Fechados ao amor, perderam-se de abraços, de beijos e carícias, enleiam-se em cansaços, em correrias e regras absurdas sem sentido. Pensar é proibido, deram aos outros a força de decidirem por si, mesmo que com voz de falsete, ou em vozeirão de sabedoria feita que ninguém questiona. Pressinto o absurdo, a desculpabilização futura, quando o estrago se evidenciar na humanidade perdida, e os autómatos começarem a fazer sombra naquilo que fomos e não voltaremos a ser. É certo que a “normalidade”, será uma outra, como sempre acontece, até se tornar comum, convivermos pacificamente com aquilo que se alterou. As elites terão humanos ao seu serviço, médicos, “personal trainer”, massagem e empregados vários, os pobres terão robots, internet para se comunicarem e até fornicarem. Não estamos todos no mesmo barco, alguns têm o iate, muitos outros nem jangada. Entretanto, pacificamente, vamo-nos assumindo como responsáveis, censurando-nos a nós próprios, “cidadãos que se creem livres” adaptando-nos cada vez mais, à figura de não sermos ninguém, mesmo quando a nós, cabe decidir, a quem dar a força de decidir por nós. Aceitamos mutações e outras explicações para tudo, sem que se permitam a um fim, prolonga-se a agonia, não se vai do mal, vai-se pela cura. Se houver futuro, não telecomandado, talvez a verdade surja, caso contrário passará para as calendas gregas. Atordoados, pressionados com as falas mediáticas, que plantam o medo, passamos ao lado dos movimentos de nucleares exércitos, com nucleares engenhos que se passeiam a descoberto pelo espaço europeu, com beneplácito dos governos, em exercícios, sem aviso prévio, enchendo mares, calcorreando estradas, voando pelos ares, simulando o terror, fazendo-se salvadores de males maiores, relativizando o perigo e esquecendo o passado de Hiroshima e Nagasaki, e da actual Central Nuclear Fukushima cujo o acidente nuclear de grau elevadíssimo, cujos resíduos a deslocar para o alto mar, que podem pôr em causa a natureza e a vida das pessoas. Acredito na ciência que aprende com a natureza e nos ajuda, a com ela evoluirmos, mas não quando está contra ela e ao serviço de fins inconfessáveis. Também o medo terá de se ir. Só poderei dizer: não temo a morte, se me tiram o prazer de viver.

dc

 

     6. Apelar para as emoções
     As mensagens que são projetadas a partir do poder não têm como objetivo a mente reflexiva das pessoas. O que eles procuram principalmente é gerar emoções e atingir o inconsciente dos indivíduos. Por isso, muitas dessas mensagens são cheias de emoção.

     As terríveis 10 estratégias de manipulação massiva, reveladas por Noam Chomsky

     020-11-09

        A absoluta contaminação mediática pelas informações (e desinformações) associadas   à COVID-19, alimentando o clima de pânico entre as populações, tem ainda outro efeito perverso: omite às mesmas populações outras situações igualmente graves e que têm todo o direito a conhecer. Uma delas é a escandalosa decisão do governo do  Japão e da empresa que gere a central nuclear de Fukuxima de lançar no mar mais de um milhão de toneladas de águas radioactivas originárias dos reactores fundidos na catástrofe de 2011. Águas que entrarão na cadeia alimentar de milhões e milhões de  pessoas. Um acto criminoso que apenas engrossa essa pandemia esquecida: a de índole nuclear –civil e militar.

        Manlio Dinucci, Il Manifesto/O Lado Oculto

 

 


quarta-feira, 23 de junho de 2021

Ninguém sabia...

 


.... quem era ela, nem ela sabia que ele a queria a ela, nem mesmo ele sabia muito bem, porquê ela. Ele queria dela, as mãos no seu rosto, os seus olhos dentro dos seus, as carícias das mãos dela, os beijos dela, todos seus. Ela existia em alguém à sua espera, como ele à espera dela, para se encontrarem nas circunstâncias de cada um, nas exigências em comum, no dois em um, ultrapassando obstáculos, quebrando arestas, passando nas mais estreitas frestas, neste nosso mundo diverso. Todos os dias ele procurava, o seu amor quase perfeito, adentrando olhos nos olhos, absorvendo o perfume do ar, observando o vestir e o jeito de andar no cruzar das ruas, no limiar dos passeios, entre o ruído da multidão, entre as sombras na escuridão. Acontecia que na rua, ao nela circular, por vezes, era tal a intensidade do seu pensar, que se surpreendia de não a encontrar e a poder abraçar. Nunca foram cachorros perdidos nas ruas, correndo a mitigar o cio, nem necessitados de edital colado ou agrafado em sítios variados, sabia que mais dia menos dia iria tropeçar, naquilo que os aproximaria. Sem recorrer aos mecanismos da modernidade, acreditou sempre que aquele sentimento tão profundo, dentro de si, teria de sair para o acontecer, sem procura ou anúncio a colocar. Talvez um sorriso, um acontecimento banal, fosse a porta para tudo se iniciar, e depois, muito mais a conversar, tocar e aprofundar, num melhor interpretar onde cada um queria chegar.

dc

Para trazeres seja o que for para a tua vida, imagina que já lá está
Richard Bach – Pontes Para Eternidade

  

segunda-feira, 21 de junho de 2021

Na encruzilhada....


.... perversa da sua existência, os sinais se repetem e o medo da frustração, levanta barreiras e cria um impasse, na já difícil tomada de decisões. É a tal estória; queremos e não podemos, ou podemos e não queremos, sempre encontramos ou inventamos obstáculos para manter o nosso individualismo e não abrir as portas do que somos. A vontade de começar algo de novo e diferente é intensa, mas logo se esmorece, pela preguiça mental e comodismo individual, que se recusa a aceitar, que nem juntos os pauzinhos, são suficientes para construir um lugar para que a serenidade se evidencie e valha a pena acontecer. Na realidade nem repara que a imagem do seu reflexo, é vazia e incolor, e tira o brilho das coisas, que dentro de si elaboradas, pretendiam melhor destino. As desculpas são muitas e a oportunidade deixa de ser, afastam-se as perspectivas e antes de tudo começar, já findou. Esquece, que o que se passa na sua vida, é o resultado das suas escolhas e de acreditar, ou não, na sua própria capacidade de atrair e ajudar a que as coisas boas aconteçam e se realizem. E assim, é como um sonho que não se realiza ficando na beirada da consciência.

dc

 


quinta-feira, 10 de junho de 2021

Esperar é ganhar(?) tempo



Encurtam-se-lhe as palavras, não fluem, travam pela falta de ligação. O vocabulário, é insuficiente, para efabular e transformar o texto em algo criativo que valha a pena ler. Tem vezes, que o discurso parece pronto para as falas, mas algo estranho, faz-lhe esquecer a ligação e o sentido. A voz some-se quando devia expressar-se, a escrita é ilegível, uma afasia doentia, troca os sentidos. Talvez o temor de ao escrever se desnudar perante os outros, revelando a personagem real, que é a sua “cara” ou a forma como percebe o mundo em volta, fora dos interesses materiais. Precisa de manter alguma da sua intimidade, emocional e fugir dos padrões comuns dos tempos modernos e digitais que tudo se diz, onde tudo se revela, tudo faz a notícia acontecer. Não fazer uma “selfie“ escrita, evitando o bullying mundano. Reservar-se ao silêncio, guardar a fortaleza que é o seu espaço de estar. Esperar é uma forma artificial de ganhar tempo para que a esperança se realize.

 

dc