sexta-feira, 9 de março de 2012

FOLHA DE UM DIÁRIO. 2




Ele não sabe o por que razão aconteceu.

“Fiz mais de quinhentos quilómetros, quase duma assentada. O telefonema que recebera por volta das duas da tarde, deixar-me completamente transtornada. O filho telefonara-me para me dar a triste notícia. O pai encontrava-se hospitalizado em estado grave, da qual ele não sabia se sobreviveria.
Nosso romance tinha acabado há alguns meses, e depois disso tivera um namoro, segundo o filho, mas que já terminara.
Não hesitei um segundo, na decisão a tomar. De imediato enchi uma mala com alguns objectos de higiene, algumas peças de roupa e pouco mais de uma hora depois já estava a caminho. Entretanto fora abastecer de gasóleo o carro, e levantar dinheiro para a viagem e primeiras despesas que se colocassem. Ia fazer todos aqueles quilómetros até a sua cidade, que ficava abaixo de Lisboa, mas não me preocupava. Serviriam para fazer uma retrospectiva dos últimos tempos, e analisar a razão de eu própria, de imediato, sair desenfreada para ir ter com ele. Como é que uma mulher como eu, se dispunha a fazer uma viagem sozinha de tantos quilómetros.. amor a quanto obrigas..

Na altura que acabamos o nosso namoro, fizera-o com a consciência de que seria melhor para os dois, em especial para mim. não sentia ser correspondida, no meu entusiasmo e vontade de estar com ele, nem as manifestações de interesse eram as mesmas. Não raras vezes, colocava entraves, a uma maior aproximação, que levasse o nosso relacionamento mais longe. No entanto ao receber o telefonema tudo passou para segundo plano, nada disso me preocupou. a única coisa que queria era ajudá-lo a recuperar e na resolução dos problemas imediatos, que pudessem advir do seu estado de saúde. Da minha parte, sabia que o meu amor ainda existia e não tinha desaparecido, durante este tempo de separação. eu sabia, e sempre soube que não estávamos na mesma onda, no que se refere aos sentimentos, nem tínhamos os dois valores, e formas de estar semelhantes. Sabia que não há amor desinteressado, a partilha é parte disso, e ela não existia de todo. por tudo o que tentei, pelo quanto dei, sei que tivera de partir para não me magoar. Sabia, que mesmo ele não gostando de mim do mesmo modo, eu não deixava de sentir aquela emoção.

Mantendo uma velocidade, um pouco acima da legalidade, mas como se fosse em velocidade de cruzeiro, sem grandes variantes no conta quilómetros. Conforme os quilómetros iam decorrendo, vendo a faixa da estrada a vir ao encontro do carro, como se fugisse de mim, o minha mente continuava em grande actividade, com o desenrolar de diferentes tipos de pensamento e vivências, de um passado recente, em que a esperança de um futuro a dois seria possível. As feridas abriam-se novamente, as incompreensões surgiam. Tudo se tornava confuso. E pensava como seria recebida quando chegasse, ou até se ele recusaria a minha presença ali. a sua saúde estaria tão debilitada que certamente nem sequer teria forças para reagir, quanto mais para perceber que a minha decisão não o levava a ter qualquer compromisso comigo. Para mim isso era ponto assente. Correria o risco, daria a cara por aquilo que meu coração me pedia.

De qualquer modo, nada me faria voltar atrás naquele momento, tão difícil da sua vida, mais tarde se veria o que ditariam os acontecimentos.

Tive de parar novamente para reabastecer o carro e comer qualquer coisa, conduzia há já algum tempo e poderia não chegar a tempo, para comer nem que fosse uma sandes . entrei numa estação de serviço da auto-estrada e vim para esplanada procurar espairecer, os pensamentos e ter o meu momento zen antes de recomeçar. Estava há alguns minutos ali, quando surge um carro topo de gama, e estaciona mesmo junto da zona da esplanada. De dentro, sai uma mulher de meia idade, bastante interessante, vestida de forma simples mas elegante, com um casaco de golas levantadas, e contorna o carro em direcção do condutor, que entretanto saíra e accionava o comando de fecho de portas do carro. Ele um pouco mais velho do que ela, de cabelo grisalho, alto e bem constituído. Ela cola-se a ele e empurra-o contra carro, dando-lhe um beijo, daqueles que se sente o amor em carne viva, tal a doçura do gesto dela, e do modo como o beijava. De seguida, caminham na direcção da porta de entrada ao lado da esplanada e ao passar por mim ouço-os: “ que saudades que eu tinha de fazer uma viagem a sós contigo e sem destino..” . Sumiram-se e eu fiquei perdido novamente nos pensamentos. O momento zen perdera-se, tudo renascia das cinzas.

Cheguei à cidade, pouco passava das dezanove horas, não sabia se a tempo de me deixarem ir vê-lo. O filho, que eu nunca conhecera, mas sabia que eu existia, ficara de se encontrar comigo no estacionamento do hospital, que eu não sabia ainda onde era. Ao fim de algum tempo e com as indicações de um motorista de táxi, lá consegui chegar ao hospital. Aproveitaríamos esse momento para ele me esclarecer do que realmente se passava e para me levar ao quarto onde o pai se encontrava. O rapaz era alto e fisicamente uma estampa, e como tínhamos combinado, encontrava-se ao lado da cabina de pagamento, tendo nas mãos um livro que eu em tempos dera ao seu pai. Cumprimenta-mo-nos e após as saudações da praxe de imediato me pós ao corrente do que se tinha passado. O pai, após uns dias de obstipação intestinal, tinha ido para o hospital com dores. Ali fizeram-lhe alguns exames, e tinham detectado um tumor nos intestinos, tendo sido operado de imediato. A operação tinha sido delicada e demorara cerca de cinco horas. Aquele era o primeiro dia do pós-operatório. Estava com um diagnóstico reservado, sobre a evolução, mas havia a esperança, embora o tumor estivesse numa fase adiantada. Estes primeiros tempos iriam ser difíceis.
Antes de avançarmos para o interior do hospital, por curiosidade perguntei-lhe a razão de ele me ter telefonado e porquê a mim. ao que ele me respondeu, que durante alguns meses, ouvira meu nome ser pronunciado pelo pai, quando este conversava comigo ao telefone. quando o pai fora internado reparara que o número do meu telefone, se encontrava escrito num papel na mesinha de cabeceira, o que o levou a pensar que o pai, não me dissera nada, mas que se calhar teria pensado em ligar-me, mas talvez por orgulho não o tivesse feito.
Subimos no elevador, e nesse entretanto eu pensava como reagiria ele ao facto de ter uma doença de carácter terminal, e como a parte física seria resolvida sabendo eu do modo perfeccionista como ele via o corpo. para mim a sobrevivência era o fundamental e, se tivessem continuado juntos, saberia facilmente ultrapassar isso, pois o que me importava era que ele estivesse presente, sem dores e a viver uma vida com dignidade. mas eu, sou eu, e nada naquele momento nos ligava, a não ser um compromisso com o passado.
Entrei a porta do quarto, e senti o seu olhar sobre mim, e lentamente a ficarem rasos de água. Virou a cabeça colocando os olhos no chão e as lágrimas corriam copiosamente. Por muitos anos que eu viva jamais esquecerei. Ali lhe perdoei tudo e fiquei mais apaixonada do que nunca, tudo faria para que ela ficasse bem, eu queria aquele homem na minha vida. As emoções foram fortes e me deixaram abalada por muito tempo“.

“Eiah pá, que estória mais emocionante, admiro esse teu amor, e essa tua dedicação, como decorreram depois as coisas, ele recuperou e vocês recomeçaram, ou foste viver com ele, para a cidade dele? Conta, conta amiga, isso era mesmo amor, caramba!”

“Gostaste? Não nada disto que te contei aconteceu!”. “ O quê?”. ”É verdade, isto foi o que eu pensei, no dia em que ele foi ao médico e me disse que este tinha suspeitas de que algo não estava bem com ele. O desinteresse dele sobre o assunto, como se não tivesse importância, e o modo arrogante como falou disso e de outras coisas em relação a nós. A sua independência, para fazer o que bem lhe apetecesse, e, o não querer assumir compromisso mais sério, foram a razão do pôr um ponto final na nossa relação. Na mente, passou-me exactamente a história como te contei, daí me perceber, que eu estaria disposta a fazer tudo por ele, mas tinha consciência de que ele não faria tudo por mim.”


Por vezes, pequenos momentos da realidade atiram-nos à cara os factos para os quais, nem sempre estamos atentos para os lermos. É preciso, que existam momentos, de tudo ou nada, para que saibamos o que temos. Amor é partilha para o bem e para o mal. O amor é.

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