quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Uma Tarde na Conversa



Raras vezes se encontram, e quando acontece, o tempo, esse enorme papão da existência, acelera o momento deixando muito por descobrir.
Tem um brilho nos olhos quase diria entre o irónico e interessado que fazem esquecer a cor que os domina, Observa como se analisasse cada partícula do que vê, como se quisesse interiorizar ou memorizar tudo, como um espião em serviço mede todos os detalhes no ambiente que o envolve.
Um olhar que se gosta porque não é neutro, motivado, expressivo, que não se esconde, até por vezes altivo, revelando confiança em si própria, ou alguém que possui um auto-estima elevada. A boca, sem ter lábios grossos e exuberantes, é bem desenhada e dela saem as palavras que melodiam com os dentes brancos e bonitos. Estes dois elementos, constituem parte relevante da construção dum rosto agradável e que dá prazer de observar. Fala em voz baixa, calma e fluente prendendo a atenção entre a visão da sua imagem e os temas que aborda. Existe nela algo perturbador e indefinido, entre o sonhador e o filosófico.
Comentavam um texto que ela escrevera e, nas falas que vão trocando, marca um discurso inteligente, sagaz sem medo ou hesitações, como se tivesses uma experiência de vida que não condiz com a idade jovem que aparenta. Com convicção defende o ponto de vista do que escreveu, não valorizando excessivamente determinados pontos do tema. Revela ambições muito próprias quanto a desafios futuros. Com facilidade saiu do tema do texto, e outros surgem com rapidez, sem se perder no excesso de palavras, contrariando um pouco o seu discurso escrito, que é prolixo, arrojado de adjectivação e no qual se sente o prazer de querer ser diferente, de encontrar uma outra linguagem e vocabulário menos comum.
A lisura da mesa do café e as chávenas são o separador natural da identidade das emoções, criando a distância necessária. Vão trocando opiniões, divergindo, condescendendo, dialogando, evidenciando projectos perdidos, encontrados, pendurados no tempo, com o mar e o sol testemunhado, para memória futura. A tarde tornara-se inesperadamente agradável e valera a pena aquele momento. Afinal dois, de sexos opostos, com idades e discursos de algum modo diferentes, conseguiram entender-se conversando largas horas. Pela primeira, vez em muito tempo, ele fora ouvinte atento falando menos, o que considerou óptimo para si. O fim do dia chegara, a noite rapidamente caíra e o frio, mesmo dentro do café, começou a acentuar-se, urgia partir. Pouco tempo depois cada um seguiu seu destino, sem saberem quando surgirá nova oportunidade para uma outra conversa.
Já no caminho de casa, lembrou-se do livro, Elogio da Conversa de
Theodore Zeldin, em que diz:
"Falar é bom! Converse! Conversar é uma forma superior de inteligência, e uma arte que se pode ensinar e aprender"
Era isso que ele também pensava e sempre esperava de uma boa conversa.

DC

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