terça-feira, 28 de maio de 2019

Uma estória de Maio


O mês de Maio ainda não fechou e a estória tem de ser contada, com o prazer das flores e temperaturas amenas da Primavera.
Sabia que ela nem sempre o lia, ou queria saber da sua opinião, ou até o seus quereres, mas ele não conseguia parar de a observar e esperar tranquilamente que ela reparasse em si, enquanto ia registando mentalmente a leitura corporal, ligada às emoções. Nem sempre os seus olhos brilhavam de felicidade. A beleza do seu rosto mantinha-se intacta, fosse na alegria ou tristeza, o que se alterava era a alma que ele assumia, no trejeito dos lábios, no brilho e nas ruguinhas em volta dos seus olhos. O corpo também se manifestava, quando a emoção e a alegria imperavam, no correr dos dias. Ficando solto descontraído, com gestos envolventes, maviosos, de anca agitada no caminhar, braços e mãos que pareciam querer abraçar e acarinhar. Quando a tristeza ou infortúnio a visitavam tudo isto perdia, a espontaneidade, os braços e as mãos gesticulavam, os dedos esticados como se fossem garras, uma tensão corporal evidente na rigidez que manifestava. Tudo isso se passava, e ela ausente, envolvida no seu mundo, longe de reparar nele. Tantas vezes ele a fitara intensamente, descaradamente, esperando um leve sorriso, um brilho diferente nos olhos, um trejeito na boca em forma de sorriso, algo que o fizesse acreditar que reparara nele, mas nada, para ela, ele era transparente, era como se não existisse.
Como se pode amar alguém daquela maneira, só lhe conhecendo a parte física o invólucro que é o seu corpo? Nunca ouvira a sua voz e só lhe pressentia a gargalhada que, de onde em onde, ela distribuía pelos que viviam o privilégio de conviver com ela.
Não esmoreceu nunca a vontade, um dia, uma qualquer circunstância os colocaria frente a frente. A vida tem razões, que a razão desconhece e factos inesperados acontecem. Um tropeção, um desequilíbrio no caminhar, colocou o braço dele, como única forma de evitar a queda. Tal proximidade obrigou-a reparar nele, na mensagem dos olhos que a observavam, na firmeza do braço que a suportava, na gentileza da mão que se lhe oferecia. A voz do, obrigada, e o sorriso que se lhe seguiu, foram o prelúdio de uma descoberta que se manteve durante largos anos.

dc

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