domingo, 9 de junho de 2019

Sombras


As sombras na memória perseguem-me. Escolho fugir do sol, ou caminhar na noite escura para que não me incomodem, mas elas não me deixam. Adormeço e elas estão lá, mal me apercebo ali estão elas povoando o meu pensar. Abro os olhos tentando fugir delas, bebendo água, na tentativa de as afogar, ou que vão no arrastamento de engolir. Persistem, não falam, mas persistem como imagens de breu, tirando-me a hipótese do azul claro do céu, das cores do arco-íris, da paz que desenha o voo da pomba, dos cheiros que me levariam para outros lugares. Como se a ceifeira tivesse chegado mais cedo, ao desumanizar as certezas, retirar-me das crenças e afogar-me no visco lamacento da indefinição. As palavras são dela, escrevem para me provar que eu não existo. Eu sou a sombra das sombras, são elas que me dão um pequeno espaço na sua existência. Vezes sem conta, apercebo-me do som das palavras, olho-me no espelho, mas não vejo o mover dos lábios, são elas falando entre si, fazendo humor com a minha incapacidade de proibir-lhes existência. Existo como desenho num vidro transparente, no qual é necessário soprar o vapor quente, para que se leia o que nele existe. Sei que esperas, que te dê um sinal, de que estou algures esperando por ti, na realidade será uma espera sem tempo, as sombras tornam pesados os passos e agarram-me a um lugar sem passado nem presente.

dc


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