sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Dia de São Valentim..talvez

Chegou na esplanada e sentou-se numa das várias mesas. Levantei a cabeça, olhei de relance e vi-a. Cabelos com madeixas, loiro e castanho-claro, esvoaçando, um sorriso bonito com um trejeito meio irónico. Os olhos eram grandes, esverdeados, desafiadores, quase falavam. Tentei regressar à leitura, mas não consegui, aquele rosto, pairava na minha mente. Já vira aquele rosto e aqueles olhos em um outro lugar. Tirei os olhos do livro e observei-a, agora com mais atenção, num fogacho fez-se luz. Aqueles olhos e aquele rosto, tinham-me ficado na retina uns dias antes, quando subindo as escadas para o meu apartamento, no regresso do ginásio, deparei-me com ela varrendo as escadas. Ao ver-me, para eu passar, parou o que fazia, olhou-me com aqueles dois lagos, como se quisesse que neles mergulhasse. Tal foi a intensidade daquele olhar, que o retive durante o tempo em que tomava o duche e prolongou-se até este momento tomando café na esplanada. Procurei voltar à leitura, quando ouço uma cadeira a arrastar-se, e, julgando eu ser a da mesa ao lado, elevo os olhos e vejo-a, a sentar-se na minha mesa e ficar em silêncio, mantendo o sorriso. Ficamos os dois calados, os nossos olhos se fixando, um no outro, descobrindo o insólito da situação. As palavras não surgiam, a boca estava seca, as mãos quase largaram o livro, entretanto ela cruzava as pernas, que se pressentia debaixo das calças justas, serem exuberantes. Ali estava ela como se fosse algo normal sentar-se à minha mesa. Não resisti, não interrompi o mutismo dos dois, mas ganhei coragem, levantei-me, coloquei suavemente, mas com firmeza, a minha mão sobre a dela e procurei que se levantasse. Sem trocarmos uma palavra, somente as mãos se deram, ela seguiu-me sem questionar.
O meu apartamento ficava a pouca distância e para lá me dirigi. Enquanto caminhávamos ia observando o seu perfil elegante, pernas compridas numas calças de ginástica, justas, um top branco que deixava ver uma parte da barriga lisa. No seu rosto, não havia qualquer vestígio de tensão, na sua boca o sorriso acompanhava a ironia que se via no fundo dos olhos. Abri a porta de acesso às escadas, parei no hall de entrada, virei-a para mim, olhando-a bem dentro dos seus olhos, beijei-a, sentindo os seus lábios macios, quentes e ligeiramente molhados. Foi como se o mundo tivesse parado naquele instante e tudo o que nos envolvia desaparecesse, éramos só nós. Uma eternidade depois, recuperamos a ideia de subir as escadas. Coloquei a minha mão nas suas costas e enquanto subimos as escadas, íamos fazendo paragens para nos beijarmos e nos tocarmos, como dois amantes generosos a usufruir ao segundo. Abri a porta, entramos de roldão no apartamento e ela sem hesitar deixou-se ir, como se dona da casa fosse. Espantava-me o seu silêncio, o sorriso, agora interrogativo, mantinha-se na boca entreaberta, onde o batom quase desaparecera, e o seu olhar de água ficara mais intenso, como se lesse as minhas intenções. Aos tropeções, as peças de roupa voando em todas as direcções, estatelámo-nos na cama, ainda por fazer, do meu quarto. Começamos a sinfonia de outono, inverno, primavera e o estralejar da consumação do calor de verão. Não houve palavras, que pudessem ser registadas, nenhum de nós estava capaz de o fazer, mesmo nos ouvindo, sentíamos a urgência dos corpos se doarem. A sua boca era doce, tinha um hálito quente, que se sentia na agitação da língua, enquanto as mãos faziam conversa, procurando as palavras sobre a pele dos corpos, o seu rosto ia mudando de expressão a cada momento, do espanto ao gozo.
Não sei o tempo que decorreu até sossegarmos e sentir a sua cabeça sobre o meu peito e os seus lábios roçando a minha pele a cada respiração. As nossas pulsações diminuíram o seu ritmo. Sentia o cheiro a lavado do seu cabelo, ainda húmido; um perfume suave emanava do seu corpo. A mão aberta, de dedos esguios, repousava sobre o meu estômago, os seus pés, perfeitos de unhas pintadas de um vermelho bonito. O seu peito não era muito grande, mas perfeito, esmagava-se sobre o meu. Absorvido pelo que via, arrepiei-me ao ouvir as primeiras palavras, surgirem da sua boca, num tom meigo e rouco, como perguntando e sabendo a resposta: poderíamos ficar para sempre ligados, como a tua pele que agora se cola na minha, não?… Será isto o amor à primeira vista? Estou aqui como sempre fosse este o meu lugar, conhecemos os nossos corpos como se tivéssemos o seu mapa colado na memória dos dedos, no prazer das trocas de carícias, nos cheiros partilhados, na calma que agora nos acalenta, distante do mundo lá de fora.
O calor do seu hálito fazia-se sentir sobre a minha pele, enquanto falava, perturbando-me o raciocínio. Levantei-lhe o queixo, os meus olhos mergulhando nos seus, ao encontro do que neles se revelava. O presente, era a marca indelével do futuro.


dc