Olhei, vi as mãos, desenhadas
a sangue, rasgadas pelo arame farpado dos senhores do mundo. Senti, como se na
própria pele, a tortura e o campo limitado da vida humana, submetida às sevícias
dos “senhores disto tudo” que se sentam na esplanada do mundo do sucesso
contabilizando, investimentos em ferro fundido e bombas. Desconhecidos, eles,
assumem normal caridade, nas realidades mundanas e nas vivências, onde a ética
não tem vocabulário que a suporte. Eles são donos das palavras e das imagens,
dos comeres, das vestimentas, e por fim, da vida das pessoas.
Por vezes, pergunto-me, até onde nos deixamos perder, suportando que haja quem
se julgue dono do mundo. Já não sentimos a ausência dos afagos, do descanso e do
rejuvenescer da natureza, absorvidos que estamos pelas diversas rotinas
opressivas e limitativas. Emprego, casa, casa emprego, alimentar-se para
sobreviver, olhos na TV, ou num qualquer computador, ou telemóvel, e um bocejar
na atenção aos próprios filhos, esposa, ou familiares. As amizades, essas vão
escasseando, não abunda tempo para a partilha, quando muito alguns minutos,
escorridos no balcão de um qualquer bar, frente a uma cerveja que refresque,
amenizando as dores da alma e a miséria social onde coabita. Na mulher, a que
mais sofre, vislumbra-se nos olhos fundos e húmidos a dor das dificuldades, num
sobreviver marcado pela ausência de amor e carregado pelas muitas vicissitudes
de mulher, mãe e trabalhadora com direitos sonegados.
Somos povo? Talvez, se calhar, talvez mais formigas, servindo cigarras e
suportando gafanhotos tiranetes oportunistas, cursados nas universidades do dinheiro
fácil, arrivistas, especialistas de roubos que se não veem, donos de escravos
modernos, na espera dos transhumanos futuros, mascarando-se humanos, sem
limitação de tempo de trabalho, sem reivindicações, sem emoções, ou
compromissos sociais e culturais.
Caminhamos para o abismo, e, perante o perigo, a solução, tem sido dar um passo em frente em direcção ao abismo, tal o amorfismo que nos tolhe e que nos prende, como uma corda com nó de marinheiro. Aceitamos ser prisioneiros, das falas, com voz de falsete, que hipnotizam e tem reforço e apoio nas “medias” corporativas, que nos provocam a ilusão de que o gato é uma lebre, que teremos acesso ao mundo dos sonhos e que “um dia se trabalharmos” muito havemos de lá chegar.
dc