sábado, 14 de março de 2015

Uma caminhada solitária



Quanto de frio tem a caminhada solitária que encetamos? Por um tempo percorremos a trilha, que nos leva a lugar nenhum, para descobrirmos o que nos consome?
A certa altura, depois de muito já andando, apercebemo-nos e pensamos “ainda sei menos agora do que quando comecei”; daí o incentivo a continuar caminhando, procurando formular as perguntas certas, para encontrar as respostas às nossas interrogações? O que nos leva a partir? O que nos faz mover, ou o que procuramos? O que iremos descobrir sobre nós, ou sobre os outros? Se iremos renascer com experiência, ou encontrar um outro rumo?


As paisagens são diversas, praia, campo, montanha, caminhos bons e maus, fauna e flora variada, pessoas, climas variando com o calor, os ventos, o frio, os rios que correm, as marés que se agitam, e o céu negro ou azul recortando os pássaros. Tudo isto colocando expectativas várias, desilusões, alegrias, nostalgia, Percepção, por ausência, da qualidade dos sentimentos que nos envolvem, quando dos abraços, dos beijos, das carícias, da presença dos amigos, da família, do amor e das vidas que se percorreram até ao iniciar daquela aventura.

Num momento, de uma qualquer paragem, chegamos à conclusão, que se não tivéssemos vivido o que vivêramos até à altura em que partimos, não teríamos feito a caminhada à procura do melhor do entendimento sobre nós próprios. Talvez seja esse individualismo, o fazer por nós próprios, esse navegar com o mapa das incertezas, que nos trás essa capacidade de resolver sem peanhas, as diferentes situações que se nos deparam, Avançando a pesar dos medos, ganhando estrutura, solidez e capacidades para a partilha com os outros.

Às vezes, algumas pessoas têm dificuldade em reconhecer, que nem sempre, quando se lhes apela à decisão individual, à iniciativa, as estão a colocar de lado, antes pelo contrário é por amor, companheirismo, ou amizade. Aquele que sugere esse caminho, normalmente, está sim, a abrir uma porta, que com o tempo, trás o conforto da descoberta da própria individualidade, o seu enriquecimento espiritual, a diminuição de dependências, capacidade de cooperação voluntária para viver o presente e projectar o futuro.


DC

quinta-feira, 12 de março de 2015

AMIGOS quem os tem chama-lhe seus



Entre um café, quatro gargalhadas e meia hora de falas, se faz a conversa, abrangendo um mundo de assuntos possíveis, de muita cumplicidade. Depois, as compras num supermercado, prolongando gostos e diferenças, comentários a propósito e a despropósito, pechinchas e paladares, tudo se misturando em harmoniosa passagem do tempo. Duas pessoas que fazem prevalecer a amizade para além de todas as diferenças.
Encontramo-nos, quando calha e como calha, sem espantos, ou lamúrias, sem cobranças, como se ontem tivesse sido a última vez.
Assim partilhando de tempos a tempos as coisas comuns, como só, ou quase só, os amigos fazem, agarrando os sorrisos e abraços sem marcação no tempo, partindo depois com um "até já", que sabemos  será tão agradável como aquele que acabou de acontecer...

como dizia
Vinicius de Moraes


"Amigos Tenho amigos que não sabem o quanto são meus amigos.
Não percebem o amor que lhes devoto e a absoluta necessidade que tenho deles.
A amizade é um sentimento mais nobre do que o amor, eis que permite que o objeto dela se divida em outros afetos, enquanto o amor tem intrínseco o ciúme, que não admite a rivalidade."

Assim eu penso.
dc



domingo, 8 de março de 2015

As MULHERES conhecem os dois lados


O sol sorriu no céu azul e fez-me sorrir. Tirou-o do sério, afastou-o do pesadelo atormentador da noite.
Já no café, frente a uma meia de leite e regueifa com manteiga, ritual de fim de semana, sentia que não estava completo, o sol trouxera-lhe o sorriso e o seu calor, mas não tinha os seus olhos, a sua boca, o seu cheiro, o seu cabelo claro emoldurando o rosto, enfim não estava ela, restava-lhe olhar nos rostos macilentos que não o seu, que tornavam a sua ausência ainda mais sentida.
Enquanto esperava, olhou a capa com os livros, que sempre o acompanham, (com um, dois..três ) com diferentes escritas, com diferentes, estórias, ou temas, para se adequarem ao seu estado de espírito no momento. Abriu um deles e pensou: “será o ideal para este dia da mulher que se celebra?” E começou a ler alguns pedaços:

Jung disse: “Onde reina o amor, não há vontade de poder; e onde domina a vontade de poder, falta amor.” .... “O amor cooperativo compreende duas realidades indivisíveis, não a ideia romântica de duas partes complementares, que procuram a plenitude. O amor cooperativo significa dois indivíduos iguais, independentes e autodefinidos que optam por ficar juntos e trabalhar suas diferenças.”

Leu e parou pensando no significado e na importância do que lera, e amofinou consigo próprio, tais eram os pensamentos controversos que se colocavam à sua forma de agir. Não podia parar por aqui, mais teria de saber e foi lendo, e, mais abaixo dizia:

“ As mulheres são geralmente mais ligadas aos outros que os homens. As mulheres gostam de falar sobre sentimentos e relacionamentos. As mulheres conhecem os dois lados da desigualdade: a superioridade de ser mãe e a inferioridade de ser mulher. As mulheres, por outras palavras, têm qualidades que são as ideais de nos ajudar a encontrar o nosso caminho para igualdade de relacionamentos.”


e por fim como rematando:
“Comunicar ao outro aquilo que sentimos é uma das melhores maneiras de garantir que não há essa acumulação de raiva reprimida, propiciadora de actos destrutivos.”


Esta era uma das suas formas de pensar a mulher, podia não ser a melhor, no entanto entendia, que para além de reivindicar direitos iguais no trabalho e na sociedade, era importante falar do que sempre dói, as relações a dois.
Nada mais restava naquele momento se não pensar, que o dia estava lindo e adequado à celebração do Dia da Mulher.


DC


Textos:em itálico extraídos do Livro: O Lado Escuro do Amor , Jane G. Goldberg

sexta-feira, 6 de março de 2015

MÚSICA NO MEU MAR




Ouço a canção, ela vai entrando pelos ouvidos trazendo o seu poema, a sua música, a vibração da voz de quem canta. Fecho os olhos, devagar, muito devagar, a música vai me envolvendo, fazendo-me perder da realidade, enquanto a imaginação se vai abrindo aos sonhos, às fantasias, mas também à agitação e às tensões.

Vou viajando no mesmo barco, fazendo um cruzeiro sobre o mar das memórias, para onde o poeta e a música me levam. Por vezes, notas altas e agitadas, outras mar sereno com o sol repousando no horizonte, De quando em onde, surgem no cenário gaivotas dançando de encontra o céu, planando ou fazendo voos picados como se tivessem descoberto um cardume. Assim vai especulando o cérebro pelo caminho até ao êxtase, numa simbiose perfeita entre o meu eu e o eu da canção, que o vento vai fazendo chegar aos meus ouvidos.

Quando o silêncio rompe a canção fico como que levitando entre o mar chão e o sonho que decorre no pensamento. Algures de mim, quer-se perder, não regressar ao mundo dos vivos, ficar naquele limbo irresponsável, sem enfrentar a realidade com sua crueza, Deixar que o sonho se arraste naquela maresia de notas, de palavras quais peixes voadores do poema, e no som da voz surgida no grito das aves, que enchem o espaço do meu céu azul.

Com a mesma lentidão, com parti na aventura da escuta, retomo a respiração do ambiente que me rodeia. Abro os olhos e vejo o seu rosto emoldurado pelo seu cabelo claro, a boca carnuda semiaberta, e seu olhos verdes enormes, como que perdidos, como se tivessem descoberto uma verdade, há tanto tempo escondida.

Possivelmente ambos nos perdemos quando procurávamos encontrar o melhor caminho.

DC

terça-feira, 3 de março de 2015

HOJE deixei-me dormir



Anos e anos, sempre trabalhando com horários rigorosos a cumprir, criaram hábitos que permanecem para todo o sempre, acordando todos os dias quase automaticamente, como se as horas tivessem ficado registadas num pequeno chip instalado no nosso cérebro.

O telefonema chegou anunciando o mau tempo, Chuva miudinha, o vento, e a impossibilidade da caminhada matinal. A morrinha, que cai ininterruptamente há dois dias, faz apetecer ficar na cama mais um pouco. Aconcheguei-me melhor, mergulhando no calor dos lençóis, sem abrir os olhos, deixando que a preguiça se instale. Deixei os pensamentos voarem. Uns devassos, outros mais sérios e de repente a inconsciência carregada de sonhos.

Sabe bem romper com as rotinas diárias, furar o esquema usual sem a perturbação dos horários, ou obrigações a cumprir, Alguém dizia, que de vez em quando, devemos tocar às campainhas das portas e fugir como se fossemos crianças, pois traria vantagens para o nosso bem estar e diminuição do stresse. Eu toquei às campainhas entre lençóis, deixei-me ir... trrrin trreimm voltou a tocar e o sonho acabou.

dc

domingo, 1 de março de 2015

MUDança dos Meses


Antes que o dormir chegue, chego-me eu às palavras, quase como um compromisso entre elas, o computador e eu.
O mês de Fevereiro findou e o Março entrou, entre o fim de um e o começo do outro, as diferenças não existiram, somente se cumpriu o calendário do tempo. Como seria bom que se tivesse rasgado o mapa dos dias e não tivesse ficado tudo de igual, repetitivo, chato como sempre, como se os dias, os meses, os anos, as horas entrassem dentro de nós e não a vida. Queria antes, muito mais, que fosse mudança a noite sem calendário, sós, nós dois sem sabermos do tempo, sós com os nossas carícias, os nossos beijos, com cheiros na ponta dos dedos, os braços misturados, sem principio nem fim, em apertado aconchego como uma colher feita de corpos, que se aquecem, mesmo que o frio não aconteça. Assim o mês mudaria e saberíamos que a vida acontecera.

DC

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

A MEMÓRIA DE TI



Não coloco aqui o teu retrato encabeçando o texto, sim a flor que te dá o nome e que talvez melhor te explique. Tem o branco da paz que transmitias; tem o amarelo sol, calor do teu aconchego; tem as múltiplas pétalas da tua partilha.

Partiste Margarida, e como mulher terra à terra que sempre foste, não acreditas que irás para o paraíso, nem que farás uma viagem para o desconhecido, mas a nós que cá ficamos sem a tua presença e, com mágoa da tua partida, é-nos conveniente acreditar que assim seja. Até porque achamos que merecias pelo teu exemplo de ser humano.

Durante todo a tua existência foste um exemplo como trabalhadora, como esposa, mãe, avó e sogra. Foste uma revolucionária, como a maioria dos alentejanos, activa e militante comunista trabalhando e participando enquanto as forças, e a tua atenção para com o teu filho, com deficiência, tu permitiu.

Quando te conheci e foi amor à “primeira vista”. Dizer isto de uma sogra, para alguns, é quase blasfémia, no entanto é a verdade. Quase quarenta anos passados desde que falamos a primeira vez, sempre existiu sintonia entre nós, como se duas almas nascidas do mesmo berço. Foste sempre de uma simpatia extrema, disponível e sempre acolhedora nas mais diversas circunstâncias.


Tenho para todo o sempre na memória as muitas horas passadas a conversar, quando vinha da caminhada matinal e saboreávamos o pequeno almoço, tu com um pedaço de peixe frito da véspera e eu com um tira de pão alentejano cheio de manteiga e café acabado de fazer, ou à noite, com a casa em silêncio, degustando a nossa “ceia”, sentados com a uma caneca de café e queijo de cabra. Conversas intermináveis, que iam dos problemas familiares, políticos até aos mais vulgares e comuns do dia à dia. Era o nosso momento preferido, onde todos os desabafos eram possíveis.


A todos sempre dizia que “eras como uma mãe para mim”, e sempre te vi assim, mesmo quando nos últimos anos, deixamos de nos ver. Não porque não quiséssemos, mas por razões circunstanciais assim foi acontecendo. Nunca por esquecimento, ou falta de vontade, como sempre sabias.

Por isso, mesmo agora que partes, a memória de ti será sempre grata e permanente.


O teu genro.


FALECEU A PIONEIRA DA CIDADE DE SANTO ANDRÉ


Foi a enterrar, no dia 27 de Fevereiro de 2015, no cemitério da freguesia de Santo André, aquela que foi considerada a primeira habitante da Cidade.
Assim começa a nota sobre a tua morte.

“Margarida Gomes Matias Jones nasceu em Aljustrel, a 15 de Junho de 1928. Aí constituiu família. Ainda antes do 25 de Abril de 1974, o seu marido era um anti-fascista acérrimo, contra o regime e a favor de uma sociedade de progresso e democrática. Por este motivo, a família de Margarida Jones foi muito perseguida e reprimida pela PIDE/DGS, aumentando sobremaneira a sua angústia e o seu sofrimento. Com a Revolução dos Cravos abriram-se novos horizontes. Em Novembro de 1975, a família Jones rumou a Santo André, tendo sido, segundo várias testemunhas, os primeiros moradores do bairro da Lagartixa e do centro urbano. O seu marido f ez parte da primeira e única comissão de moradores deste bairro.

Margarida Jones desde sempre organizou iniciativas no Dia Internacional da Mulher e associou- se a todas as iniciativas do bairro. Por tudo isto, amou a Cidade de Vila Nova de Santo André.

Orgulhosa pela memória histórica desta Cidade, que não quer perder e em homenagem aos seus pioneiros, a freguesia de Santo André atribuiu a Margarida Jones, no dia 1 de Julho de 2012, a Medalha de Mérito da Freguesia.

Paz em sua memória!”




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