segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Aproveitar a jornada



16 horas, a plataforma da gare começou a ficar vazia, o comboio “Pendular” partiu. Todos os que tinham vindo despedir-se, de repente, ficaram como se ensimesmados com a partida fixando os olhos no chão e encaminhando-se para a saída. Alguns pareciam arrastar toneladas em cima de si, outros afloravam no seu rosto um sorriso enigmático como se quisessem esconder o que lhes vai dentro.
Deslocou-se para a saída. Nem sempre a despedida era igual, das outras vezes, saía da plataforma da gare antes que comboio partisse, fazia-o para encurtar o momento e se iludir tornando-o num até já. Saiu de imediato da estação procurando assim afastar a imagem da partida. Entrou na sua viatura ligou a música e pensou.... O Natal sempre terá partidas e chegadas, amores e famílias que vivem na distância...Têm uma lado positivo, alertam-nos para o que faz falta.
O sol ainda forte começava o seu declínio no horizonte....Esse horizonte que se mantém sempre lá, como que fugisse de nós... Percebia que o seu próprio horizonte se mantinha na distância, quase sempre próximo e cada vez mais irrealizável...Diz-se que estabelecer o objectivo e alcança-lo é importante, mas mais importante do que atingirmos o que nos propomos, é aproveitar a jornada...Sim, assim teria de ser, viver mais intensamente o passar do tempo, que representava esse intervalo entre chegada e partida, e vivê-lo como se fosse a última viagem.
dc 

sábado, 19 de dezembro de 2015

Viver o Dia



Mordo teus lábios
Sugo tua lingua
Afogo-me
No teu ventre
 
Quero absorver-te
Para sempre
Anular
Toda a mingua
Enquanto ausente.

Enroscar
No teu corpo
Colando-me
À pele e ficando
Cheirando
Sentindo

Depois
Descansar
No teu regaço
Vivendo
Teu beijo
E teu abraço

dc

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Pensamentos traiçoeiros




Os pensamentos, abstracções que subtraímos da realidade, isolados numa gaiola, a nossa cabeça... Às vezes se manifestam para o exterior, num sorriso, num olhar com o brilho das  emoções, num gesto... Para quem, de fora, nos observa pensando, torna-se difícil descobrir de facto o que neles se cogita, o que os alimenta, qual a prioridade das suas escolhas... Somente estão lá, isolados, sem tempo limite, com escala de gradação própria, sem palavras visíveis, perdidos nas inter-relações que se geram, nos sentimentos, nos factos, nas preocupações. Eles ocorrem... Saltitam, esvoaçam pelo mais recôndito de nós... Quantas vezes a nossa introspecção é tão profunda, que os pensamentos se fazem presentes, levando-nos a cometer actos irreflectidos, gestos não pensados...E quando nos apercebemos, já está feito... Uma  letra... Um número... Uma frase... Um gesto e acontece, só quando ouvimos o eco que nos chega, como resposta... Quando a voz que entra no ar nos faz acordar de espanto, ao fazer-se presente é que tomamos consciência de que transformamos um pensamento em realidade, e aí descobrimos que muitas coisas, que julgávamos resolvidas, afloram novamente vivas e dolorosas.
Há dias que não devíamos pensar, ou então devíamos fechar a gaiola a sete chaves...
dc

É tão cinzento..



É tão cinzento, tão escasso o prazer, que me deixo secar no vento, despida de mim, sou como sou, só, visão fantástica de um mundo onde não sou parte interessada... Para ele sim, na minha nudez ele me compara com as outras e me introduz no meio de estruturas secas de linhas e formas... e eu, procuro a diferença, escasseia-me a linguagem, sobra-me a coragem para sobreviver...Renascendo. 
dc

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

A(o)MAR




Nós sabemos que ele existe, está lá parado no tempo de propósito para nos receber, para nos orientar... e mesmo assim erramos, derrapamos no chão húmido das incertezas, escolhemos a dor no lugar do porto seguro... porque a beleza também é um desafio... porque o gostar é insuficiente se não existir aquele íman que nos prende, aquele outro mar que nos entra pelos olhos e nos faz navegar os sonhos...fugimos da acalmia, procuramos a agitação das ondas desafiando os corpos...sentindo o salgado nos lugares mais profundos. Queremos a tempestade... mesmo quando sabemos para onde nos pode arrastar na sua força e envolvimento... é a inconsciência da força... da paixão que nos arrasta até ao a’mar... ir contra a corrente de todos... porque não somos todos...somente dois. 
dc

domingo, 13 de dezembro de 2015

AGORA




Agora
que já não tenho a curva sinuosa
do teu pescoço para me perder
nem o riso contagiante dos teus lábios
que me desafiavam

Agora
que já não sinto a tua respiração
na minha nuca
nem invades a minha cama

Agora
que a noite se perde em sombras
quase que obscuras e deformadas
na parede do meu quarto

Agora
que o teu retrato
jaz frio na cabeceira
sem a vida e o calor de nós

Agora
sinto que o ar que respiro
é só alimento de um corpo
e não mais alento de viver.
(É só isto que faz o meu, Agora)




sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Foice da vida




Ceifeira cortando pela raiz
Humanas criaturas
Adulto ou petiz
Bestas ou almas puras

Sabemo-la inevitável
Presença na nossa vida
Leva-nos doentes ou saudáveis
Sem sinal de partida

Nos leva sem escolha
Tantas vezes desprevenidos
Leva-nos de vez e nem olha
O quanto ficamos aturdidos

Resta aos que ficam
A memória da sua essência
Nas frases que os glorificam
Lembrando a sua ausência.

dc