segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Página única




Deixei que me escrevesse na pele com teus dedos, Era a frescura do primeiro encontro, envolvida na seda da tua ternura, na doçura das tuas carícias, no voo para fora de mim. Quis que fosse uma estória com registo único, de um amor primeiro, que será sempre primeiro, mesmo que outros surjam. Foi feito com a tinta indelével do amor que dentro nós cresceu. Uma página de leitura obrigatória, quando aos olhos se revela, um testamento de intenções, das coisas vividas. É o testemunho dum nós acontecido que ultrapassa a forma do corpo, e trás à superfície a beleza, do que somos um face ao outro, dentro do outro, um com o outro.
Nos dias de ausência, de olhos fechados, seguirei com a ponta dos dedos cada letra..completarei frases e reviverei cada momento, sentindo teu cheiro, os teus beijos e o teu corpo em cada milímetro escrito na página que me deixaste. 


dc



domingo, 20 de novembro de 2016

DESINTERESSE




Ficou-se pela promessa, deixou a esperança caminhar, adentrando o peito, alimentando a ânsia do encontro. Tudo permaneceu hipótese, com o sangue correndo pelas veias, as ideias a fluírem e a tristeza a instalar-se com o passar do tempo.
Os dias foram correndo, sem a percepção que se aproximava o acto final. Quanto mais se conheciam mais temiam o percurso e o que viria a seguir, foram perdendo a espontaneidade, e a possibilidade de fracasso se instalou.
Temiam perder o seu espaço, a materialidade, a capacidade de decidir do seu tempo e da sua liberdade. A autonomia que pareciam possuir era uma armadilha, na realidade estavam tomados pela vontade dos outros, pelas regras, que não as deles, que punham limites, moralidade, determinavam comportamentos suprimindo o seu próprio querer. As desculpas se foram multiplicando, as frases faziam hipérbole para não se dizer o que à boca surgia. Cada um se individualizou, ainda mais, deixando-se enrolar na teia que aumentava e ia travando os seus passos. Foram-se esquivando de assumir a tomada de consciência, de que já eram eles próprios criadores das suas circunstâncias. Estagnaram e lentamente se deixaram morrer dentro do seu casulo, sem se darem á possibilidade de o romance acontecer. Não sobreviveram a si próprios.

dc



terça-feira, 15 de novembro de 2016

Em jeito de conversa





Estamos tantas vezes vestidos de preto por dentro, corroídos pelas mais variadas preocupações e razões, que quando os outros nos falam só ouvimos, vemos e sentimos o que existe formatado no nosso pensamento. Os sons chegam-nos intervalados, a vista observa tudo turvo, e o que sentimos não é a realidade transmitida. Quando assim é, respondemos errado, engrossamos a voz, e a dureza, expressa na linguagem, afecta os sentimentos de quem connosco partilha o conversar e o viver. Muitas vezes, porque o outro nos merece isso, melhor será, a pausa, o silêncio imposto a nós próprios, a reflexão isolada, para que se não magoem aqueles, que na realidade têm connosco mais afinidades que desavenças.
É bom preservar a conversa, ela ainda é espaço de troca de ideias, de solidificar relacionamentos, tenham eles o significado que tiverem, afinal, partilhar a vida, com quem merece ser partilhada, ajuda-nos a vestir de branco por dentro. 


dc


sexta-feira, 11 de novembro de 2016

INCÓGNITA





Seus olhos verdes
Pousaram no meu café
E seu amargo se perdeu

O mar trouxe seu frio
E em meus braços
Encontrou o estio

Sua boca se pousou
No vinho dos meus lábios
E o mundo em nós girou

Nossos corpos
Foram no leito
Um amor quase perfeito

No sorriso do amanhecer
Juntos se encontravam
E de novo recomeçavam

No dia borboletando
A estória se repetia
Alegrando o nosso dia

Na hora da partida
Nosso corpo gelava
A saudade magoava

Chegou e partiu
E vezes sem conta
Toda a estória se repetiu

Num momento funesto
(ninguém sabe o resto)
Um em cada lado ficou

Perderam-se dos lábios
do café, do corpo e do mosto
E restou somente o desgosto.

dc



quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Sem título



  
Tomamos a palavra, como se fosse nossa, agarramo-la ao sonho, como se tivessemos mãos de aço e um peito aberto para a guardar. Usamo-la vezes sem conta sempre na ambição de que o seu significado se cole ao que queremos e depois....fica só a palavra, o significado não corresponde à realidade que dela criamos.
Neste aqui e agora, fica-me o medo de a usar mais uma vez e dela me perder.

dc