Na míngua da materialidade dos
gestos, dos sons, do olhar, olhos nos olhos, dos cheiros e das formas,
recorremos às palavras e estas em alguns casos excessivamente superlativas, em
outros se perdem num relato incompleto dos sentimentos. As palavras e frases,
mesmo que ricas de expressividade, apagam-se, ou podem ficar eternamente
esperando, a sua leitura. Escrever e ler, conhecimento da língua, exigem
ginástica mental, interpretação de pontos de vista, o que se pretende quando se
escreve, resumindo uma forma intelectualizada de conhecimento e reconhecimento.
Não que seja mau, mas traz demora ao sentir.
“Ao sair de casa deixou um papel escrito, despedindo-se, “até mais logo, meu
amor”, colocado na mesa visível da sala. Teria preferido que ao sair tivesse-me
acordado, e mesmo de olhos pouco abertos, saber-lhe-ia melhor, aquele beijo nos
lábios, aquele abraço que traz o fresco da manhã, o cheiro e calor do corpo, mão
em concha na face, numa carícia cheia de ternura. Isso sim, seria um registo
mais profundo, preso à pele, marcando os sentidos para o correr das horas. Não
foi sua a escolha, podia até parecer falta de reconhecimento, mas aquelas
palavras escritas, não substituíam o sentimento de falta e um vazio
inexplicável, que nem a riqueza das palavras superava. Talvez só a sua silhueta
no contra luz da porta num aceno, fosse mais plena, pensou para si. Sempre
dizem que “uma imagem vale por mil palavras”
As palavras serão talvez
melhor registo de memórias interpretadas. Uma estória, uma herança de gestos
que se imaginam, ou uma explicação de de sentimentos, mas tantas vezes perdem o
significado fechando-se, em si próprias.
dc
"Se olharmos as
coisas de perto, na melhor das hipóteses chegaremos à conclusão de que as
palavras tentam dizer o que pensamos ou sentimos, mas há motivos para suspeitar
que, por muito que procurem, não chegarão nunca a enunciar essa coisa estranha,
rara e misteriosa que é um sentimento."
José Saramago