Os dois deitados, nus,
fazendo conchinha. Ele sentia o cheiro dos cabelos dela, misturado com outros
cheiros adocicados, trazidos pelo bafo morno dos corpos entre os lençóis. Ela
dormia e a sua respiração era calma e profunda, como uma criança livre, desregulada
das normas da sociedade. Com a sua mão livre, ele percorria o corpo dela,
contornando os seios, o abdómen, as coxas delineadas, como se procurasse mapear
cada detalhe para ser memória em caso de ausência. O corpo já restava saciado,
era o prazer do toque e a ternura, que faziam a necessidade do gesto, numa
forma de amor silencioso. Ela no subconsciente sentia-o e enconchava-se mais,
como o sonho dentro do sono. Aquele abraço, era como um casulo confortável e
protector de onde sairia renascida. A relação que viviam, não tinha um contrato
em papel assinado, estavam unidos pelo querer e liberdade de permanecer. Conheceram-se
sem pontos e virgulas, se havia interrogações não se colocaram, tudo sem
imagens culturais, ou evidências físicas pré-estabelecidas, foi tudo de origem,
sem imitações, uma troca de olhares, conversa versátil e prolongada, uns dedos
que se tocam, um cabelo que se agita, uma gargalhada que se solta. Tudo o
resto, tem sido um filme sem realizador, sem enquadramentos ou sequências planeadas,
tudo feito na câmara imaginária, à mão livre, tentando de ser felizes,
seduzindo-se mutuamente, produzindo o conteúdo dos dias, voando sem metas no
horizonte.
dc