sábado, 9 de dezembro de 2023

Escrevi-lhe..

Escrevi-lhe uma carta, apaixonada, romântica, possivelmente cheia de lugares-comuns, como se escreve, em amores tão simples, nas pessoas que só amam. Não obtive resposta. Esperei tempos infinitos, e depois abandonei-me em pensamentos desordenados, sem encontrar um fio condutor. Desde sempre estranhara, que depois daquela noite, qual o tipo de dúvidas lhe terão surgido, que a levassem a afastar-se no dia seguinte, sem qualquer explicação.
Fiquei sem respostas, a carta procurava lembrar, revelar a mágoa que ficara, e como o  orgulho mumificara o gesto possível, de se questionar. Na minha mente a chave continuava pendurada na porta...
Hoje mesmo acordei pensando na mesma questão. Muitas dúvidas mais surgiram. Será que eu escrevi mesmo a carta e a cheguei a enviar? Será que o remetente e o nome estavam certos? Já recomeçou outra vida? Tudo desculpas por temer que a resposta pudesse chegar, ou na realidade, temia que a razão da ausência de resposta há muito se encontrava dentro de mim. Recomecei a escrever, uma outra carta, que se me dirigia, esta agora, como catarse possível de tal apego


dc


quarta-feira, 15 de novembro de 2023

A distância é terrível.

Conheceram-se, de modo inusitado. As circunstâncias limitaram-lhe os horizontes. Distantes, sem a presença física, vão recorrendo às novas tecnologias, para que a imagem lhes permita verem-se e conversar, alimentando os seus sentimentos, trocando ideias realçando valores, e as suas diferenças de personalidade. Ela trabalhava por turnos numa vida dura, ele “Freelancer”, estava sem horários fixos e com disponibilidade. Inúmeras eram manhãs que acordava com a sua voz, assim como as despedidas de boa noite, quando ficava em casa e podiam conversar mais um tempo em horário mais comum. Cada dia, uma revelação, cada noite a dor de ausência, mas nada os afastava.

Foram planeando uma vida, vivendo sonhos, desbravando a floresta densa com passeios imaginários, avaliando o presente, imaginando e criando sonhos especulando o futuro. Exploravam o blá blá da sina da cigana, que os colocara na mesmo caminho, como almas próximas. Eram dias de dor pela distância, ricos de comunicação, de revelação de quem somos e como somos, anulando sombras, preparando o terreno para quando a oportunidade chegasse, ficarem juntos de forma plena e perene. Os sonhos são bons e alimentam forças incríveis, mas a sua realização é mais complexa, é necessário dar o passo em frente, para que a solução se encontre, para que as vontades e desejos expressos se concretizem, caso contrário, a distância prolongada e a rotina da ausência, porão em causa os sentimentos, diluirão as memórias do tacto, dos cheiros, dos sons e das vivências na pele. Tudo tem o seu tempo, não se podem queimar etapas por medos ou inseguranças. Ter medo de errar é entorpecer e ficar sem capacidade de decisão. Procurar na comunicação moderna a aproximação, é uma solução precária de alimentar situações irrealizáveis, esgrimir ausências, vazios e soluções questionáveis. A distância é terrível, provoca fissuras na estrutura emocional, por vezes irreparáveis.

 

dc

 

"Amor sem verdade é paixão; verdade sem amor é crueldade". A frase é do psicanalista Wilfred R. Bion:



terça-feira, 31 de outubro de 2023

Mente, em branco

 

Já algumas vezes dera conta, que as palavras lhe fugiam quando procurava as letras que as construíam. Do mesmo modo a folha branca era um obstáculo, vazia, opaca, fazia temer perturbá-la. Tudo era desculpa, para não a enfrentar, a impotência de romper a ausência de ideias, a indiferença mumificada, numa escrita de silêncio. Era só com a escrita, pois, na verdade, tentava violar essa sua brancura, com arabescos repetitivos, procurando encontrar nas imagens, a explicação para incapacidade de produzir texto. O vazio é interior e enorme, fruto de uma fixação absurda de querer pensar demasiado, no que escrever. Se, o texto não flui, para quê esforçar-se na procura. O que for escrito não poderá ser uma acção robotizada, tem de partir de dentro, laborada no âmago, e será depositada, quando se solta, na ponta da caneta para a superfície de suporte, num correr de palavras e frases, como sangue escorrendo, da veia, da inspiração.

dc


sexta-feira, 20 de outubro de 2023

Nudez adivinhada


As sinuosas linhas do corpo, sobressaem no agitar do vestido, o sol as insinua em contraluz; sem ser o seu propósito, ele faz acontecer, lembra o não observado. Desvia-nos a atenção, da beleza do rosto e das palavras que da boca se soltam. O agitar do tecido, que envolve o corpo, vai nos sugerindo uma dança, abstracta, um agitar de sedução, um encantamento, vontade de descobrir e conquistar. Uma fuga da rotina plasmada, que gera indiferênça. É uma nudez adivinhada, erotizando a mente.

dc


sábado, 30 de setembro de 2023

Outono?

No findar do mês, com o Outono marcando os dias, não ainda, pelo excesso de folhas caídas sobre a superfície dos chãos, antes por este calor inesperado, que traz sorrisos e fadiga ao corpo. Há que aproveitar para nos adaptamos à diferença, fazendo memória e reescrevendo a estória, que define as estações do ano, com as emoções que evocam. Os pássaros, ainda estão pelos beirais como se não quisessem partir, as gaivotas, continuam frequentando os areais, e o pôr-do-sol, ainda é bem visível no horizonte, com seus tons quentes, na variação de tons laranja e vermelhos intensos. Quase nos sentimos flutuar, em vez de caminhar, como se fosse presente a ausência de gravidade. É estranho, o modo como o clima nos dias de hoje, se torna tão imprevisível, e nos impede as rotinas das diferentes estações climáticas. Os tons ocres, estão afastados dos nossos olhares, os azuis predominam, os brilhos da claridade, sustentam uma atmosfera, extra-sensorial, que vai modelando relevos nas figuras, que ao nosso redor, habitam. Os sorrisos desenham os rostos, os cabelos, soltam-se na brisa leve, as roupas fluidas na leveza dos tecidos, e o odor da maresia, vai-se misturando com perfume doce que vem da terra ressequida. Do mesmo modo, o amor rejuvenesce entre os seres, os amantes vão retardando a calmaria outonal, intensificando as suas vivências, aproveitando-se com frenesim deste novo instante que a natureza os presenteou. Fica a dúvida, se é um fenómeno transitório, e que tudo beneficia, ou se é mais uma partida, que as variações climáticas nos pregam para sabermos, o quanto mal tratamos a Terra.

 

dc


Nasce o sol dentro de mim..

 

Nasce o sol dentro de mim, sempre que te vejo, com os olhos de quem ama. Quando a carícia, inesperada, dos teus dedos, roça a minha face logo antes de me beijares, e sinto o teu corpo contra o meu, sem lugar a dúvidas, ou incertezas, como se quisesses adentrar-te, construindo um corpo único. Nesses instantes, o teu calor é intenso. Os teus lábios, tem o sabor do mel quente, das noites de inverno. O perfume do teu corpo inebria-me e se realça de tudo o resto, marcando o ar que respiro. É tão doce, a ternura que acordas em mim, que me sinto pleno, capaz de suportar e superar todas as esquinas e arestas que a vida me coloca.

dc


terça-feira, 19 de setembro de 2023

Na periferia do corpo...

 

Não fui capaz de a cumprimentar. Ela condiciona o meu raciocínio. A minha admiração, ao vê-la, tolhe-me, deixa-me envergonhado, tímido, como naquele caso, onde bastaria estender a mão, ou dar-lhe um beijo na face. Falta-me o atrevimento necessário, para ultrapassar a periferia do corpo e acalentar no conhecimento possível. É bem possível, que ela me tenha olhado pelo canto do olho, esperando um gesto meu, na sequência do aperto de mão, que dera ao nosso amigo comum. No entanto, eu nem sequer tinha elevado o olhar, para enfrentar o seu, pois sabia que não resistiria ao seu brilho e cor clara, aquele cabelo que lhe moldava a expressividade do rosto e toda a beleza estética que emana. Da minha boca só saíram frases incoerentes, numa tentativa vã de esconder toda a minha sensaboria, perante alguém cuja presença parece fluir, como é natural nas pessoas dotadas. Eu, felizão, de a saber ali tão perto, com a consciência de que seria o mais próximo que estaria, nunca seria capaz de ultrapassar a periferia do corpo e chegar ao âmago de si própria. Ela sorriu, com a boca e os olhos, e eu, quase fugi, de passo apressado. Ela nunca saberia do alvoroço que me causava, nem como me sentia incapaz de manifestar.

 

dc