quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Um novo começo

 

Caminho naquele estradão, feito de cimento, que existe paralelo ao mar, de vez em quando, paro e observo aquele céu rico poderoso de cor e expressividade, que interage com o mar, reflectindo-se, como espelho, até como se questionasse: “espelho meu, quem é mais belo do que eu”. Aos meus olhos surge como tela pintada, por prodigioso artista. Sou arrebatado pelo seu poder e fico inquieto, procuro descobrir, qual a razão, que faz com que aquela imagem, tão abstracta, me afecte, me fascine e me transporte para emoções inexplicáveis. Tento absorver o ar, devagar, enchendo os pulmões de forma cadenciada, com aquele ar carregado do cheiro da maresia e deixar que a “ausência” do que me envolve, me transportasse para outra dimensão, fazendo-me esquecer a própria existência como pessoa comum. Sem saber como, ali parado, meditava. O ano estava acabando e novo estava prestes a acontecer, recomeçando o ciclo repetitivo e eterno da existência. Talvez aquele momento, me lembrasse do efémero e da insignificância perante a grandiosidade da natureza.

dc

sábado, 30 de dezembro de 2023

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Partiu, deixando gelado, este corpo cansado, improdutivo, já sem vontade, para resistir mais, sem réstia de coragem para suportar, um novo tempo de espera, de que um novo ser nasça, no lugar do que perdeu. Enrolou-se no seu próprio corpo, ajoelhada, esmurrando de punhos cerrados a areia. A dor era avassaladora, indescritível, roía por dentro, como um ácido, e cada segundo parecia uma eternidade. As gaivotas sobrevoavam, nos céus, no seu piar histérico, como carpideiras em funeral. A espuma que se desprendia das ondas, no agitar da água do mar, era como chuva tentando lavar aquele sentimento que não esmorecia. As lágrimas caem no mar, como a rosa-branca se despede das suas pétalas, que se vão desfazendo, na agitação da maré. Como chegou aquele projéctil no meio de nada cercear a sua vida? Quem tem ordem de disparar sem aviso, e num milésimo destrua, o amor tão frágil ternamente criado, que nunca chegará a ser adulto? Quem justifica o injustificável?

 

dc

 

                Samer - World Goes Blind (Lyric Video) | it feels like the world goes blind

 

quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

Hoje, é dia de celebração

 

Tenho pena, de me ter perdido das palavras escritas, que antigamente surgiam a todo o vapor, e que vertia no papel com rapidez, com o medo que elas se perdessem no labirinto dos pensamentos. Hoje é o dia do teu aniversário, as emoções de todos estes anos passados são tantas, tornam a tarefa ainda mais difícil. Surgem palavras tão comuns e desacertadas, que não correspondem ao que durante todos estes anos, vivemos, sentimos e realizamos. Talvez as palavras, que surgem de seguida no texto, não expressem o calor, o carinho, nem as diferentes emoções, que neste momento vêm a superfície. O que vivenciamos, no acompanhar do teu crescimento, com as dificuldades económicas, o tempo de estudo na escola, mais tarde na universidade, discutindo os trabalhos e as notas. As pequenas escaramuças comuns de um pai, que se arrogou no direito de te criar, e acompanhar até ao dia que saíste para viver com o teu companheiro de sempre e formar a tua própria família. Sinto que é insuficiente dizer-te o quanto brilhas para mim, por tudo aquilo em que te transformaste, e me deixa orgulhoso, nesse teu percurso desde menininha, à senhora casada, com o homem que escolheste, como pilar de entendimento, para a realização de objectivos maiores, e trouxeram à luz do dia um filho (o neto, que tanto desejava).
Eu disse, no início deste escrito, que já não sabia arrumar as palavras como outrora, e falta-lhes, talvez, a riqueza de vocabulário, ou a beleza que merecias, mas espero que me perdoes. Só queria que soubesses, que mais do que um jantar de aniversário, ou o estourar do champanhe, há coisas deliciosas, não descritas aqui, que ainda fervilham em mim, permanecerão para o resto dos meus dias caladas bem no fundo do meu ser.

Um beijo, e um Xi coração do tamanho do mundo.
DC


quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

Futuro desesperançado

Sempre viajando, na minha mente, vou a lugares incríveis e a emoções indescritíveis. Fora dela, as barreiras tornam-se intransponíveis, a timidez tira-me as palavras, a incerteza controla-me as decisões, e o sonho atrasa-se na realização. Fico-me na espera que não presta, desleixando-me de ser. O outono, atravessa-me o corpo, não pelas folhas que caem, mas pela tristeza que me assombra, neste correr de dias chuvosos, onde a réstia de sol não existe, a humidade cancela o sorriso, e a carne corrói e trás acidez às emoções que se despertam. O presente, é cada vez mais presente e tudo o que nos envolve, socialmente, nos diz, e faz sentir, o odor da morte, dum futuro desesperançado.

 

dc


sábado, 9 de dezembro de 2023

Escrevi-lhe..

Escrevi-lhe uma carta, apaixonada, romântica, possivelmente cheia de lugares-comuns, como se escreve, em amores tão simples, nas pessoas que só amam. Não obtive resposta. Esperei tempos infinitos, e depois abandonei-me em pensamentos desordenados, sem encontrar um fio condutor. Desde sempre estranhara, que depois daquela noite, qual o tipo de dúvidas lhe terão surgido, que a levassem a afastar-se no dia seguinte, sem qualquer explicação.
Fiquei sem respostas, a carta procurava lembrar, revelar a mágoa que ficara, e como o  orgulho mumificara o gesto possível, de se questionar. Na minha mente a chave continuava pendurada na porta...
Hoje mesmo acordei pensando na mesma questão. Muitas dúvidas mais surgiram. Será que eu escrevi mesmo a carta e a cheguei a enviar? Será que o remetente e o nome estavam certos? Já recomeçou outra vida? Tudo desculpas por temer que a resposta pudesse chegar, ou na realidade, temia que a razão da ausência de resposta há muito se encontrava dentro de mim. Recomecei a escrever, uma outra carta, que se me dirigia, esta agora, como catarse possível de tal apego


dc


quarta-feira, 15 de novembro de 2023

A distância é terrível.

Conheceram-se, de modo inusitado. As circunstâncias limitaram-lhe os horizontes. Distantes, sem a presença física, vão recorrendo às novas tecnologias, para que a imagem lhes permita verem-se e conversar, alimentando os seus sentimentos, trocando ideias realçando valores, e as suas diferenças de personalidade. Ela trabalhava por turnos numa vida dura, ele “Freelancer”, estava sem horários fixos e com disponibilidade. Inúmeras eram manhãs que acordava com a sua voz, assim como as despedidas de boa noite, quando ficava em casa e podiam conversar mais um tempo em horário mais comum. Cada dia, uma revelação, cada noite a dor de ausência, mas nada os afastava.

Foram planeando uma vida, vivendo sonhos, desbravando a floresta densa com passeios imaginários, avaliando o presente, imaginando e criando sonhos especulando o futuro. Exploravam o blá blá da sina da cigana, que os colocara na mesmo caminho, como almas próximas. Eram dias de dor pela distância, ricos de comunicação, de revelação de quem somos e como somos, anulando sombras, preparando o terreno para quando a oportunidade chegasse, ficarem juntos de forma plena e perene. Os sonhos são bons e alimentam forças incríveis, mas a sua realização é mais complexa, é necessário dar o passo em frente, para que a solução se encontre, para que as vontades e desejos expressos se concretizem, caso contrário, a distância prolongada e a rotina da ausência, porão em causa os sentimentos, diluirão as memórias do tacto, dos cheiros, dos sons e das vivências na pele. Tudo tem o seu tempo, não se podem queimar etapas por medos ou inseguranças. Ter medo de errar é entorpecer e ficar sem capacidade de decisão. Procurar na comunicação moderna a aproximação, é uma solução precária de alimentar situações irrealizáveis, esgrimir ausências, vazios e soluções questionáveis. A distância é terrível, provoca fissuras na estrutura emocional, por vezes irreparáveis.

 

dc

 

"Amor sem verdade é paixão; verdade sem amor é crueldade". A frase é do psicanalista Wilfred R. Bion:



terça-feira, 31 de outubro de 2023

Mente, em branco

 

Já algumas vezes dera conta, que as palavras lhe fugiam quando procurava as letras que as construíam. Do mesmo modo a folha branca era um obstáculo, vazia, opaca, fazia temer perturbá-la. Tudo era desculpa, para não a enfrentar, a impotência de romper a ausência de ideias, a indiferença mumificada, numa escrita de silêncio. Era só com a escrita, pois, na verdade, tentava violar essa sua brancura, com arabescos repetitivos, procurando encontrar nas imagens, a explicação para incapacidade de produzir texto. O vazio é interior e enorme, fruto de uma fixação absurda de querer pensar demasiado, no que escrever. Se, o texto não flui, para quê esforçar-se na procura. O que for escrito não poderá ser uma acção robotizada, tem de partir de dentro, laborada no âmago, e será depositada, quando se solta, na ponta da caneta para a superfície de suporte, num correr de palavras e frases, como sangue escorrendo, da veia, da inspiração.

dc