segunda-feira, 16 de julho de 2012

UM OUTRO PORTO


Testemunho de um dia em que a fotografia falou.
Numa tarde de sol em que a gargalhada da boca se soltou
Em outras imagens colhidas muita coisa se viveu
Ruas esconsas que há muito o portuense esqueceu
O registo existe em suporte digital como diz a lógica
Porque pouca gente usa máquina analógica.

A rima aconteceu como a imagem surgiu
De um lugar inesperado que só o fotografo viu

sexta-feira, 13 de julho de 2012

O PRINCÍPIO ILUDE-NOS, O FIM MATA-NOS

É tal o frio que se instala depois do partida, que nos deixa o corpo enregelado e as mãos paralisadas e a voz sem timbre. Durante um tempo estamos anestesiados, não deixando que nada do exterior nos perturbe, agarrados à aquele sentimento de perda.

Vamos ficando mumificados, o invólucro intacto e o interior sem nada, sem os sinais vitais perceptíveis.

Enrolamo-nos em palavras pensamentos e actos, que foram, poderiam ter sido, e do presente nada. Nada fica, só o frio que nos afasta dos outros, que faz de nós papagaios repetitivos sempre que forçados a manifestar algo sobre alguém ou alguma coisa. E vamos secando, sem respostas para nada e muito menos para nós próprios. Perdemos o GPS, e ficamos embaraçados no meio do nada. Levantamo-nos e nada acontece que não seja a trivial rotina de sobrevivência física. Os pensamentos, as palavras o raciocínio são limitados, tudo deixa de fazer sentido.

A dado momento questionamo-nos, bem para dentro, bem fundo de nós próprios, bem para o nosso existir e concluímos, que se há partidas, se nos gelamos, se não vivemos, é porque não somos quem somos, mas alguém que desconhecemos. Aí, ficamos num silêncio, se se pode chamar, mais profundo, investigando, emudecendo, somente olhando, ou melhor, observando como se todos os seres humanos fossem borboletas, em volta das flores coloridas de um jardim. Não nos encontramos ali, vemos por fora, como se em câmara lenta, como se estivéssemos numa situação quase morte, vendo luzes, caindo num vazio infindável tenso que nos despoja da pele.

Amanhece todos os dias e todos os dias se faz noite. O princípio ilude-nos o fim mata-nos. No meio nada existe. As frases optimistas e belas que lemos, nos enviam, se dizem, só falam do que desejam, mas não do que nós somos capazes de ter, fazer, desejar.

Os conselhos, os erros, a auto critica, tudo isso neste momento é letra morta.
Pensar... nem pensar, o melhor é a mudez, circular nos espaços, penetrar no pensamento de um qualquer escritor. Produzir comida, se não o corpo vai-se e o cheiro empesta. Tomar banho para iludir a pele, passarmos os dedos pelo cabelo para que o pente não nos deixe demasiado alinhados, em contra ponto com o que dentro de nós se faz sentir. A roupa despe-nos do que somos e engana qualquer um.

Conhecem-nos pelo desenho que nos atribui o sexo e pela aparência do que somos. Para voltarmos ao mundo dos vivos, teremos de ver rever sucessivamente o filme, da frente para trás, de trás para frente, perdendo de cada vez que o fazemos um pedaço do que não interessa, até ficar somente a sinopse da sua origem. Um catarse lenta que nos vai adoçando, limpando, até ficarmos novamente prontos para o ressurgimento.

Serão assim os dias, até que um dia a morte nos separe. O Eu que aparenta, e o eu que somos na realidade das nossas emoções.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

JARDIM DA CORDOARIA

O Jardim de João das Chagas, mais conhecido como da Cordoaria, e também de Romântico, ficou “vazio” e completamente descaracterizado pela intervenção efectuada no âmbito das obras de remodelação urbana da Capital Europeia da Cultura Porto 2001. Remodelação muito contestada por diversas entidades e associações do Porto, mas sem que por isso tenha tido a atenção necessária das entidades competentes para o corrigir.

O Jardim perdeu-se na vontade de uns “iluminados” que o transformaram num monte de arbustos de porte baixo, um lago(?) com uma plataforma ridícula, árvores e uns “bancos” desconfortáveis, feitos de pedra, que obrigam as pessoas, que neles se sentam, a ter de colocar jornais para não ficarem com as nalgas geladas, o que traz saudades dos velhos bancos de madeira. O coreto, antigamente central, passou para segundo plano, completamente desfasado do conjunto geral.

Felizmente, salvaram a “honra do convento”, quando o convidaram Juan Muñoz, escultor madrileno, a produzir esculturas para aquele espaço. O escultor parece ter pensado gozar com a remodelação do jardim, perdido o seu romantismo, e colocar como tema das suas esculturas pessoas rindo às gargalhadas: "Treze a rir uns dos outros".

Vale a pena visitar o jardim, por isso mesmo, para termos o prazer de aproveitar a avenida de plátanos e nos sentarmos juntos das esculturas imitando as suas figuras, soltando a gargalhada, que raras vezes, nos dias de hoje, deixamos sair dentro de nós, espantando o stress e não correndo o risco de que nos chamem malucos.

http://cct.portodigital.pt/gen.pl?sid=cct.sections/15151013&fokey=cct.jardins/310
http://pt.wikipedia.org/wiki/Jardim_de_Jo%C3%A3o_Chagas

terça-feira, 10 de julho de 2012

COMO SE ESQUECE?




Miguel Esteves Cardoso, Último Volume (Texto com supressões)
Como se esquece? Devagar. É preciso esquecer devagar. Se uma pessoa tenta esquecer-se de repente, a outra pode ficar-lhe para sempre. Podem pôr-se processos e acções de despejo a quem se tem no coração, fazer os maiores escarcéus, entrar nas maiores peixeiradas, mas não se podem despejar de repente. Elas não saem de lá. É preciso aguentar. Já ninguém está para isso, mas é preciso aguentar. A primeira parte de qualquer cura é aceitar-se que se está doente. É preciso paciência. O pior é que vivemos tempos imediatos em que já ninguém aguenta nada. Ninguém aguenta a dor. De cabeça ou do coração. Ninguém aguenta estar triste. Ninguém aguenta estar sozinho. Tomam-se conselhos e comprimidos. Procuram-se escapes e alternativas. Mas a tristeza só há-de passar entristecendo-se. Não se pode esquecer alguém antes de terminar de lembrá-lo. Quem procura evitar o luto, prolonga-o no tempo e desonra-o na alma.
(…) É preciso aceitar esta mágoa, esta moinha, que nos despedaça o coração e que nos mói mesmo e que nos dá cabo do juízo. É preciso aceitar o amor e a morte, a separação e a tristeza, a falta de lógica, a falta de justiça, a falta de solução.
(…) Dizem-nos para esquecer, para ocupar a cabeça, para trabalhar mais, para distrair a vista, para nos divertirmos mais, mas quanto mais conseguimos fugir, mais temos mais tarde de enfrentar. Fica tudo à nossa espera. Acumula-se-nos tudo na alma, fica tudo desarrumado. O esquecimento não tem arte. Os momentos de esquecimento, conseguidos com grande custo, com comprimidos e amigos e livros e copos, pagam-se depois em condoídas lembranças a dobrar. Para esquecer é preciso deixar correr o coração, de lembrança em lembrança, na esperança de ele se cansar.

O MERCADO DA RIBEIRA FOI-SE... E AGORA??




Ao passear pela zona da Ribeira, do Porto, fico espantado como se transformou, num “centro de esplanadas”, e que os cidadãos, assim como os turistas, que querem caminhar pela marginal são obrigadas a fazê-lo pela facha dos carros.

Acabaram com o Mercado da Ribeira, talvez pelas feias “barracas” que tapavam as vistas aos senhores das esplanadas. Agora o passeio é largo e só tem mesas e cadeiras para gáudio dos cafés e restaurantes – as mesas e cadeiras ocupam a totalidade do passeio –e em frente no cais aparecem agora as bugigangas do artesanato, e uns guarda-sóis, tipo de praia, com umas bancas à frente, impedindo de igual modo a circulação das pessoas e tapando a vista aos “pastores que se sentam nas esplanadas à espera de verem o rio Douro e a Ribeira de Gaia.

São feitas obras nesta nossa cidade do Porto, em muitos dos seus espaços que não correspondem ao ambiente local, criando uma artificialidade, a todos os níveis. Como o disparate de alcatroarem a rua de S.João, que além de não “rimar” com o piso envolvente, nem com a zona histórica da qual faz parte. E esperemos que no inverno, com a acumulação das águas das ruas acima que ali irão desaguar, não se transforme num rio que faz foz no cais da Ribeira.

Não sei como explicar aos senhores que governam este país, sejam eles governo, sejam eles autarcas, que o turismo deve ser como as dietas de emagrecimento, ou se fazem com o intuito de mudar os hábitos alimentares, ou então volta tudo ao mesmo e para pior. Transformar a Ribeira numa esplanada gigante, ou feira, não é solução turística. As pessoas que deslocam àquele lugar, não querem ver só a paisagem, mas a realidade dos sítios e não a artificialidade criada para “turista ver”. Se não existem hábitos de cultura, de organização e serviços de utilidade pública, aquilo que se vê é uma maquilhagem grosseira das gentes da morfologia da Ribeira, porque na realidade o que existe são negócios sazonais, alguns de gente que vem de outros lugares, que acabadas as épocas de grande afluência, partem, e outros que são residentes e ficam “às moscas”, transformando o espaço em desertos de cadeiras e mesas. Isto sem esquecer, que todo este negócio de “turismo” acaba por expulsar os que ali residem, por perda das sua qualidade de vida e porque os preços praticados são incomportáveis, abrindo assim espaço aos privilegiados e boémios. É bom lembrar os muitos que “expulsos” das zonas ribeirinhas para o Bairro do Aleixo, que embora a promessa fosse de regressarem, por lá ficaram, e até ali estão também postos em causa.

Em todo o centro de Porto, incluída a Ribeira, se desertifica das famílias, mas aumenta o número de escritórios e serviços, ao mesmo tempo que os bares, cafés e restaurantes gourmet, ou pretensamente populares, sustentados estes por um público muito próprio, que gostam, dizem eles, da “movida”(?). Pena é, que aqueles que de manhã cedo se deslocam por aqueles lugares tenham de levar com o cheiro a urina, que preenche o ar.

P
odem alguns dizer, que muito se tem feito para melhorar a cidade, tenho dúvidas legítimas quanto à qualidade e integração dessas melhorias e do benefício que tem representado efectivamente para os portuenses residentes da cidade.
Valerá a pena ler o texto "Os cafés do Porto! de Maria Teresa Castro Costa, para perceber a mágoa com vejo a minha cidade que me viu nascer, se transformar. Deixa de existir a cidade dos portuenses, mas a cidade do negócio sem cor e do turismo com dor.

sábado, 7 de julho de 2012

AS PALAVRAS VÃO MAIS LONGE

Os lábios se selaram assombrados pelos seus pensamentos.

Como seria, se as palavras saíssem voando dizendo da cor dos sonhos, revelando o cheiro das flores, falando de abraços beijos e cansaços. das conversas faladas junto do travesseiro, dos sonhos vividos, dos momentos sofridos, das gargalhadas soltas. do medo que se percam nos dias. das ternuras sim as ternuras dos teus gestos. dos teus dedos, que na carícia traziam para dentro de mim, bem dentro, bem fundo, o desejo de te amar. Perderiam elas o sentido quando largadas no ar mitigado de oxigénio, de vida. Transformar-se-iam, perdendo o corpo. Seriam de todos menos de ti, seriam gostadas, menos por ti, que não as ouvirias, porque partistes e a distância te transformou tal como um rasto de avião que se desfaz lentamente no céu.

Resta-lhes ficar dentro de mim, fazendo puzzles comunicacionais, procurando rimas, sentidos, emoções outras, que não as delas, mas que partem delas, e se dispersam e reagrupam como que perdidas nos labirintos da razão.

Talvez com o tempo surjam no papel, umas com letra de forma traçado e espessura irregular, outras firmes e decididas misturando maiúsculas e minúsculas, a revelarem a sua essência. É verdade que deixarão de ser tuas, passarão a ser do mundo, porque todos as conhecerão, embora sempre tu dentro delas. E acredito arriscar, que um dia, olhando em diagonal a montra que por ti desliza, ao caminhar em ruas de um outro lugar, as vejas tituladas e assinadas, e saberás que são tuas, só alguém que te conhece o cheiro, te caminhou na pele, as saberá dizer e fazer chegar tão longe.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

"AS ARVORES MORREM....DE PÉ"

Entrei na garagem e olhei para as prateleiras colocadas numa das paredes. Lá estavam elas, cerca de trinta esculturas de pequeno porte feitas em madeira.

Fiquei maravilhado e, ao mesmo tempo, espantado com o que vi. António Alberto, engenheiro de profissão, falecido há bem pouco tempo, deixara um precioso legado em arte.

Segundo me dizem, todos os troncos, raízes, ou galhos de árvore que encontrava nas suas viagens, fosse dentro ou fora do país, sempre serviam para transportar para casa e transformar em máscaras, figuras eróticas, mini-gigantones.

Todos aqueles pedaços de madeira ganharam vida suplementar, com uma ligação muito forte a cada momento vivido, e com uma riqueza plástica assombrosa.

A evolução da sociedade tem permitido que as pessoas, na sua generalidade, tendo mais acesso às obras de arte e aos artistas, enriqueçam o seu conhecimento estético e invistam com entusiasmo na sua própria realização artística. Daí, ser vulgar nos dias de hoje ver-se pessoas, cujo despedimento ou reforma foram motores de desenvolvimento de uma actividade artística, por vezes ao longo de anos escondida e postergada, por razões de sobrevivência económica ou por falta de oportunidade para a poderem desenvolver.

Esperemos que o futuro nos traga, ao contrário do que os poderosos da alta finança pretendem, uma maior satisfação na realização e escolha do nosso percurso profissional. Uma maior independência económica e de tempo, para que todos possamos desenvolver no nosso quotidiano outras actividades de âmbito cultural e artístico.