quinta-feira, 29 de novembro de 2012

VELAS DE VIDRO



Parecem velas de barco vogando no mar. O brilho e as cores daqueles pedaços propositadamente ali colocados, têm tanto de sedutores e belos, como traiçoeiros e perigosos. Quase nos esquecemos da função para que ali foram colocados. Poderia quase afirmar-se, que aqueles para os quais foi lançada a armadilha, se em pleno dia, fossem tentados a ultrapassar o espaço que delimitam, possivelmente os ignorariam. Não imaginariam sequer que aqueles pedaços tão coloridos, pudessem rasgaram a pele e fazer soltar o sangue vermelho do seu corpo.


Por vezes a beleza, como muitas outras coisas da vida, confunde e esconde a realidade.


DC

terça-feira, 27 de novembro de 2012

MEMÓRIAS FUTURAS


Memórias futuras existem quando os presentes “presentes” são bem vividos, amados e rodeados das coisas que mais apreciamos. A/O companheira/o, os filhos, os familiares, os amigos, o gato de estimação, os livros, boas degustações, e tudo isso, se possível, tendo o espaço que mais gostamos.

Será gloriosa memória futura, o presente que ajudamos a construir, pelo qual lutamos, partilhamos e em que somos solidários na conquista de um mundo melhor para todos.

Será memória futura a percepção e participação no evoluir das mentes e da sociedade em que estamos inseridos.

É memoria futura mais do que tudo sabermo-nos amados e queridos, pela integridade do que somos, perante os seres humanos que nos rodeiam, pela cultura que possuímos, pelos sorrisos que distribuímos, pelos abraços que damos, pela confiança que prodigalizámos a todos aqueles com quem partilhamos esta nobre arte de ser, viver e participar futuros.

Seremos memória, quando neste presente adverso, procuramos levar a cor do arco íris da esperança, de proposta de vida, a todos que têm o seu mundo possuído pela não cor do egoísmo dos Homens.


Seremos memória, quando no futuro forem os outros a ver os nossos passos calçados de flores por tudo o que fizemos neste presente.

DC

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

SE A NOITE E O DIA...




Gostaria que a noite não entrasse em mim como um peso que destrói
Gostaria que a noite fosse um ligar de sonhos e eu o seu herói

Se a noite fosse lugar de descanso e não me ocupasse o dia
Se a noite fosse esse lugar de dormir para acordar com alegria

Talvez se a noite fosse noite com toda a sua virtude
Talvez o dia fosse dia com toda a sua magnitude

Espero dos humanos a sensatez de não tirarem à noite a sua razão
E ao dia deixem toda a virtude que aos olhares despertos dão

DC

terça-feira, 20 de novembro de 2012

O FRUTO MAIS APETECIDO....

Despia-a da sua roupa harmoniosa, enquanto o fazia, o seu cheiro penetrava nas narinas e ao mais recôndito de mim trazendo à superfície momentos deliciosos outrora vividos.

Toda ela era uma apelo há natureza, um produto maravilhoso, que nas terras de antigamente causava furor, enchendo as praças dos lugares com a sua presença alegre, e a sua vestimenta ao sabor da época.

Infelizmente, como o decorrer dos tempos, as coisas se têm alterado, agora qualquer bicho careta troca a sua fibra, o seu cheiro, o prazer da sua roupa, o saborear do seu corpo sumarento, por aquelas mal amanhadas jovens vítimas de enxerto que se assemelham, mas não tem a sua qualidade. São loiras platinadas sem sabor, sem riqueza, sem memorias e sem futuro. Desenxabidas, que não apelam ao calor da nossa boca, nem nos preenchem o prazer de saborear na calma, repetindo o gesto e abusando até ao limite da satisfação de prazer tão íntimo.

Hoje, pude repetir o ritual da posse, e do prazer de a poder despir das suas vestes, usufruir do seu cheiro, poder olhar a sua pele esbranquiçada, retendo as suas formas na minha mente, antes de a saborear até ao mais íntimo de mim, cada bocadinho, cada saliência a sua pele interior, sentindo-a desfazer na minha boca.

Hoje, tive a sorte de te voltar a reencontrar e reviver momentos tão agradáveis como há muito não vivia. Eras a minha rainha da festa, nenhuma das outras tinha o teu brilho, ou beleza, e assim pude mais uma vez ser feliz, quando já desacreditava que pudessem voltar a fazer-te apreciada.
.....




Hoje, ao entrar na frutaria, verifiquei com prazer que as nossas tangerinas bem portuguesas, bem cheirosas, bem saborosas, tinham novamente conquistado o seu lugar depois de tanto tempo afastadas por uma Europa que não lhe reconhecia tamanho ou competência. Para mim, se na altura das festas natalícias se não houvesse tangerinas das nossas tudo era menos brilhante, pois nessas alturas deliciava-me comendo quantidades universais sem que sentisse satisfeito ou cansado de o fazer.

Serviam para abrir o apetite, para desenjoar a meio das refeições, para matar a sede, para ajudar na digestão, etc. etc. Tudo isto servia como desculpa, ou não, para continuar e justificar comê-las, saborear o seu cheiro e sentir o seu sumo escorregando pela garganta abaixo.

Ainda bem que se começam a recuperar os produtos da nossa terra, e a dar-lhes o lugar que merecem à mesa dos portugueses.

Escusado será dizer que comprei uma quantidade bem razoável de tangerinas...

DC

domingo, 18 de novembro de 2012

ATRÁS DAS CORTINAS

O sol realça as múltiplas ondulações dos cortinados brancos da sala, criando sombras de intensidade variada. A estrutura da janela reflecte-se no cortinado como se tivesse sido desenhada por um bêbado, compondo um quadro com variações de desenho permanentes, de tonalidades, luz e sombras

Um pedaço de pano que amortece a luz do sol com a seu calor e brilho e um mundo de silêncios, de quem de dentro observa, como um outro quadro de desenho único feito de tinta preta que se fixa numa parede invisível.

As rotinas, entre quatro paredes, marcam a mente, como um AVC deixando efeitos residuais inalteráveis quando da passagem por um corpo. São gestos estereotipados que restarão para sempre na pele do individuo, mesmo que um dia o silêncio se vá, mesmo que o dialogo surja, mesmo que o espaço seja cortado pelo ruído de outras vozes, mesmo que um dia por hipótese se divida a pasta de dentes. A glorificação do espaço e do silêncio ali estará presente e tornar-se-á um empecilho ao sorriso, á reformulação do seu modo de estar.

Os dias, mesmo quando o sol está presente, são frios e tristes, amortecidos pela névoa da realidade, cada vez mais dura, num país que não lhe reconhece o contributo para o seu enriquecimento.

Preparado para o trabalho e para as necessidades de um sociedade que o não vê como individuo, ele se vai esfriando e desaparecendo pessoa, para se tornar um robot dos interesses políticos e sociais e vai desaparecendo como individualidade com emoções, relacionamentos, vida.

Tiram-lhe, direitos agravam-lhe os deveres, e esperam que ele se vá escorrendo pelo sofá da dignidade e fique emborcando a brutalidade do isolamento, até que resolva deixar-se ir, num dia, em que o preto da sua alma seja da mesma “não cor” do pó que foi seu corpo.

Acredito que ele os vai chatear, porque como diz o povo “a esperança é a última coisa a morrer”, e como tal não lhes fará a vontade. Ele como muitos acabará por engrossar as fileiras dos descontentes e quebrará o seu mutismo gritando bem alto a sua revolta juntando-se aos milhares de vozes que se recusam a ficar por trás das cortinas esperando que a mudança aconteça.


DC

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

MARCAS DE "VIOLÊNCIA"


Esta, é uma das marcas da minha violência no teu corpo. Gosto de exercer esta minha violência sobre ti, deixando toda a tua pele macerada. Quero que sintas, em todos os minutos da tua vida, a minha brutalidade incorporada no teu corpo, como um ferrete, para que se reconheça a razão do teu sorriso, a serenidade do teu olhar, o tua aceitação desta minha forma de manifestar amor.

Bem ajas por me aceitares tal qual sou.

DC

FICO-ME PENSANDO..



No banco do jardim sentado observo a liberdade dos pássaros que alegremente enchem o espaço com o seu chilrear. Fico-me pensando no crime que é, fecha-los em gaiolas, como alguns fazem pelo prazer egoísta de terem os seus cantos só para si, mesmo que isso signifique roubar-lhes o seu voo e a liberdade.

A eles, aos pássaros, não se lhe conhecem guerras, com mortos e feridos em combate. Eles nas suas desavenças, por natureza raras, somente aumentam a intensidade do seu um chilrear e uma ou outra bicada. Nada que se compare com os chamados humanos, que sempre se digladiam até pelas coisas mais comezinhas e se habituaram à carnificina das guerras das bombas de Hiroshima, Nagasaki.

Fico-me pensando.... Já não falamos de amor de beijos, abraços, carícias, desejos, dos cansaços nas noites em branco de muitos amores feitos, com intervalos de risos de morango na boca. As nossas conversas, de todas as horas e em todos os lugares, perdem-se na crise, na austeridade e na corrupção que nos rodeia. Os planos morrem na contabilidade do fim do mês e o futuro não pode ser planeado mais longe do que a hora do jantar.

Tentam tirar-nos, o prazer de nos sentirmos vivos, de estarmos vivos, de nos sentirmos humanos. Será que conseguem? Quero crer que não.