terça-feira, 12 de julho de 2016

"Reset"





Apagam-se os números de telefone, escondem-se as imagens, e as coisas partilhadas, sopramos para o ar, enchemos o cérebro de tralhas para que o pensamento se afaste, passeamos, mudamos de restaurante, enfim pretendemos esquecer e, de repente, abrimos um livro e... como se recuperássemos o disco dum computador, tudo surge da memória, um nervoso miudinho se instala enchendo os olhos, trazendo tudo à superfície, Nada do que foi zanga e tudo o que era diferença, se esgotou. Só vemos o sorriso, sentimos o cheiro, o corte do cabelo, o brilho e a cor dos olhos, o corpo e suas diferentes dimensões, e uma inesgotável referência às emoções... o calor das caricias, os beijos, os prazeres descobertos, tudo se desenha novamente perante nós... será que vale a pena apagar definitivamente o disco, ou será que o reset foi o sinal de que ainda está dentro do prazo, ou nada finda só por si...

dc

sábado, 9 de julho de 2016

Um lugar de espera





Seus olhos cor de mar, levaram-na para longe da origem de nascimento.
Queria pôr seus pés no areal imenso, com o mar se chegando de vez em quando para que sentisse o seu afago.
De quando em quando, olhos perdidos no horizonte, sem pensar na razão de estar ali, ia caminhando, sentindo o prazer dos pés penetrando a areia no seu pousar, e aquele cocegar das suas mil partículas, que lhe transmitiam segredos daquele mar imenso.Soltou o cabelo e deixou-o esvoaçar, queria que ele voasse ao sabor da brisa roçando o seu rosto de maneira desordenada, como uma caricia de um amor descontrolado usufruindo a liberdade de gozar e amar. Tinha a boca humedecida pelo beijo molhado do rebentar das ondas. O vestido comprido de tecido fino e florido, colava-se-lhe nas coxas, revelando-a, toda ela ondulando a cada movimento do corpo. O cheiro do mar entrava-lhe pelas narinas e as gaivotas marcavam o compasso nesse seu arfar. Era ela um ser sem tempo, sem encontro marcado, sem lugar de permanecer, um coração saltimbanco procurando abrigo em outra terra, melhor, em um outro mar, para se afastar desse outro mundo sem resposta, que fora seu lugar de habitar durante tanto tempo. 
Partir fora importante, deixara tudo para trás, cansara de viver em “Banho Maria”, precisava de estar viva. Queria mais que segurança e materialidade, queria emoção, sentimento, prazer de se sentir importante, amada, no cantinho recatado de alguém, onde fosse pensamento primeiro das sua escolhas.
Chegara àquele lugar que lhe abria uma porta de esperança, mais não fosse, no reencontro consigo própria, naquele passear quotidiano, pelos limites entre os pinheiros mansos e as dunas, pelo areal imenso, pelo beijo do mar, pelo ar repleto cheiros diversos.. todo um sentir dos elementos com que a natureza a bafejava, deixando-a com todo o tempo do mundo se desenrolando, sem pressa, sem objectivo pré-determinado, com o acaso como perspectiva.

Viver seria a perspectiva...sentir seria o possível... o agora, razão do seu estar.

dc


segunda-feira, 4 de julho de 2016

JUNTOS






O sol aquece
Trás calor à terra
Como luz trás à lua
Só me minha alma
Arrefece
Não estando perto da tua

dc



domingo, 3 de julho de 2016

REnascer





Hoje ela acordou-o de mansinho, com dedos suaves e lábios quentes, gozou do seu corpo, com o calor e luz brilhante que se exibia neste madrugar do dia.
Tem dias assim, em que algo de especial acontece, recebemos mais do que a rotina, somos a prioridade que entendemos merecer. Foi delicioso sentir o seu toque, que lhe tirou a ruga do sobrolho, o fez caminhar pelas ruas com um sorriso colado nos lábios, tudo observando com alegria e prazer. O céu azul matizado, de onde em onde, de manchas brancas muito leves, surgia ao seu olhar como se fosse a primeira vez que o via, Os edifícios, os diferentes verdes da vegetação dos jardins, as pessoas a sorrir, tudo parecia transmitir uma mensagem de paz, confiança alegria e vontade de existir. Sim, vontade de existir, coisa rara nestes dias conturbados de um crise que nos afasta de um viver mais alegre que todos merecemos.
Caminhar, ginásio, banho tudo feito num ritmo adequado sem pressas nem molezas, o quanto baste, aproximando a hora de almoço que um convite gentil o parabenizava.
Um almoço num ambiente e companhia bem agradável, de ementa simples, a condizer com a mesma simplicidade do estado de graça, com que o dia o começara a premiar.
Um pouco mais tarde, já caminhando no Parque da Cidade, após o repasto prazeroso e amena cavaqueira, continuava a afluir ao seu pensamento, o quanto fora privilegiado por algo que tanta gente gostaria obter. Ter sido beijado e tocado por ela, no alvar do dia, como nunca o fora.  Senhora de nariz levantado, difícil de ceder um pouco de si, dera-lhe a prioridade e lhe fez saber que também tinha direito a que acontecesse. Ela que tantas vezes solicitada, raro correspondia e lhe fizera sentir na pele a sua ausência.
O dia foi-se aproximando do fim, sem que as surpresas simples deixassem de acontecer. O neto e seus pais, fizeram questão de o ter na sua companhia ao jantar, oferecendo-lhe a sobremesa adequada ao momento.
Hoje sentira-se bafejado como nunca, pelo hálito límpido e agradável que nos trás esse sentimento raro, a que se chama Felicidade.

dc.
27JUN2016



sábado, 2 de julho de 2016

O silêncio não me assusta





O silêncio não me assusta, está integrado na necessidade de pensar, de não me deixar subverter pela confusão, pelo barulho das vozes, pelos ruídos colados às palavras, sem interferências no que sou, ou no que represento. Os sentires são só meus, sem que outros avaliem ou julguem.
No silêncio me reencontro, reformulo vezes sem conta, as perguntas, as respostas, ou me deixo esvaziar de pensamentos, apreciando tudo o que me rodeia, sem preocupação. Olho, somente olhando sem mais, o subconsciente fará o resto, ou não, que importa?
No silêncio, fico como se tivesse saído do corpo, apreciando a minha figura sentada no sofá e o volume que ela ocupa no espaço onde se insere. E penso (?). Morri e renasci vezes sem conta, errei e encontrei soluções, deslindei problemas e criei outros, recreei sonhos, matei esperanças, plantei sementes e colhi frutos. Em silêncio deixei que me amassem, me traíssem, torturassem, e em silêncio sorri, chorei, rasguei-me por dentro, reconstruí-me e procurei ir fundo, saber mais sobre mim próprio, afinal nunca é tarde para se aprender.
Este é o silêncio que me humaniza. Mais conceito do que realidade, porque afinal, nela é impossível o silêncio. 

dc


sexta-feira, 24 de junho de 2016

Beijo de chuva




Beijo sôfrego
Boca na boca
Língua na língua
Oh, vontade louca.

O corpo endurece
Trôpego
Espesso.

Será  da ausência
Da chuva
Da vida que se tece
Da memória
Que persiste
Ou de um alguém
Que não desiste?

Na sua estória
Tudo o que importa
É que acabou a revolta
Se amam e desejam
E por isso...celebrando
À chuva.. se beijam.

dc



domingo, 19 de junho de 2016

Quando nada se tem..




Sentas-te  pensativa
Olhando sem ver
Sem conseguir descobrir
A razão do coração doer.
Não penses meu bem
Nada se perde
Quando nada se tem.
Para quê tanta tristeza
Se não querias de verdade
Que esse outro alguém
Te deixasse saudade.

dc