domingo, 20 de novembro de 2016

DESINTERESSE




Ficou-se pela promessa, deixou a esperança caminhar, adentrando o peito, alimentando a ânsia do encontro. Tudo permaneceu hipótese, com o sangue correndo pelas veias, as ideias a fluírem e a tristeza a instalar-se com o passar do tempo.
Os dias foram correndo, sem a percepção que se aproximava o acto final. Quanto mais se conheciam mais temiam o percurso e o que viria a seguir, foram perdendo a espontaneidade, e a possibilidade de fracasso se instalou.
Temiam perder o seu espaço, a materialidade, a capacidade de decidir do seu tempo e da sua liberdade. A autonomia que pareciam possuir era uma armadilha, na realidade estavam tomados pela vontade dos outros, pelas regras, que não as deles, que punham limites, moralidade, determinavam comportamentos suprimindo o seu próprio querer. As desculpas se foram multiplicando, as frases faziam hipérbole para não se dizer o que à boca surgia. Cada um se individualizou, ainda mais, deixando-se enrolar na teia que aumentava e ia travando os seus passos. Foram-se esquivando de assumir a tomada de consciência, de que já eram eles próprios criadores das suas circunstâncias. Estagnaram e lentamente se deixaram morrer dentro do seu casulo, sem se darem á possibilidade de o romance acontecer. Não sobreviveram a si próprios.

dc



terça-feira, 15 de novembro de 2016

Em jeito de conversa





Estamos tantas vezes vestidos de preto por dentro, corroídos pelas mais variadas preocupações e razões, que quando os outros nos falam só ouvimos, vemos e sentimos o que existe formatado no nosso pensamento. Os sons chegam-nos intervalados, a vista observa tudo turvo, e o que sentimos não é a realidade transmitida. Quando assim é, respondemos errado, engrossamos a voz, e a dureza, expressa na linguagem, afecta os sentimentos de quem connosco partilha o conversar e o viver. Muitas vezes, porque o outro nos merece isso, melhor será, a pausa, o silêncio imposto a nós próprios, a reflexão isolada, para que se não magoem aqueles, que na realidade têm connosco mais afinidades que desavenças.
É bom preservar a conversa, ela ainda é espaço de troca de ideias, de solidificar relacionamentos, tenham eles o significado que tiverem, afinal, partilhar a vida, com quem merece ser partilhada, ajuda-nos a vestir de branco por dentro. 


dc


sexta-feira, 11 de novembro de 2016

INCÓGNITA





Seus olhos verdes
Pousaram no meu café
E seu amargo se perdeu

O mar trouxe seu frio
E em meus braços
Encontrou o estio

Sua boca se pousou
No vinho dos meus lábios
E o mundo em nós girou

Nossos corpos
Foram no leito
Um amor quase perfeito

No sorriso do amanhecer
Juntos se encontravam
E de novo recomeçavam

No dia borboletando
A estória se repetia
Alegrando o nosso dia

Na hora da partida
Nosso corpo gelava
A saudade magoava

Chegou e partiu
E vezes sem conta
Toda a estória se repetiu

Num momento funesto
(ninguém sabe o resto)
Um em cada lado ficou

Perderam-se dos lábios
do café, do corpo e do mosto
E restou somente o desgosto.

dc



quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Sem título



  
Tomamos a palavra, como se fosse nossa, agarramo-la ao sonho, como se tivessemos mãos de aço e um peito aberto para a guardar. Usamo-la vezes sem conta sempre na ambição de que o seu significado se cole ao que queremos e depois....fica só a palavra, o significado não corresponde à realidade que dela criamos.
Neste aqui e agora, fica-me o medo de a usar mais uma vez e dela me perder.

dc


segunda-feira, 7 de novembro de 2016

O beijo nunca aconteceu






As falas e seu dizer
Eram difíceis de perceber

O sonho e a fantasia
Confundiam a noite com o dia

As horas se perdiam
Sem saber porque o faziam

A conversa começada
Nunca era acabada

O beijo nunca aconteceu
No sonho prevaleceu

O corpo nunca abraçou
Na esperança se ficou


O poema foi a realidade
E sua dolorosa verdade

dc