sábado, 4 de novembro de 2017

Melhor seria nada ter


“Fui atrás do que procurava recuperar e que julgava certo. Encontrei um labirinto de portas que se fechavam e abriam sem encontrar a saída. Sempre evasiva temendo as amarras, fugindo quando me sentia presa ou envolvida. Perante isto, dei-me tempo, isolando-me num lugar onde me podia curar, pensar e perceber a própria ausência; aí encontrei solidariedade, conforto, amizade. e, quando por fim me pensava curada, livre para me reencontrar com tudo o que pudesse acontecer, enganei-me, ao conhecer aquelas duas “figuras”: uma, se assumia livre, segura de si, em aparente autodomínio e que, de repente questionada, se perdeu ensimesmada de incertezas, quanto ao seu desejo e forma de viver a vida; a outra, deprimida, tomada por doença misteriosa, talvez mal da alma, meiga, carente e pretendendo aconchego. De uma senti a sua presença no meu regaço, da outra o calor intenso dos seus lábios na ponta dos meus dedos, que me fizeram derreter de ternura. Optei de forma errada, quando temendo tanta doçura de uma, me deixei levar para ser regaço, julgando não poder ter o melhor de dois mundos. A percepção do erro foi imediata, não estava preparada para decidir. Melhor seria nada ter, e partir de novo ao encontro daquilo que efectivamente me encheria de alegria e felicidade, A paz de espírito que as fugas sucessivas não me davam. Teria de deixar passar mais tempo, dar a mim própria o conhecimento necessário para me redescobrir e decidir como escolher quando serei o regaço de alguém que me faz sentir o calor de seus lábios, mesmo que na ponta dos dedos.“


dc




domingo, 29 de outubro de 2017

Nem tudo o que parece é




Tantas vezes, o “não”, parece tão verdadeiro que chegamos ao ponto de acreditar que é mesmo, Quando assim acontece, é difícil acreditar e voltar ao princípio;
 
Tantas vezes se “desliga”, sem qualquer razão, que acabamos por aceitar que a razão existe, Quando assim é pensamos ser insuficiente a energia para nos mostrar o caminho;
Tantas vezes o “medo” é tão real, que acabamos por acreditar que ele é que nos domina, Quando assim é, ficamos sentados nas lágrimas de arrependimento pela falta de coragem;
Tantas vezes tememos perder o “pé”, que nos afogamos na parte mais baixa da piscina, Quando assim é, acreditamos sermos incapazes de nadar;

Tantas vezes é necessário, parar com tanta reflexão, mandar tudo às malvas, e aceitar o que temos como único, sem hesitar, ir até onde mandam os nossos valores e o coração.
As palavras são insuficientes para explicar sentimentos que nascem sem qualquer explicação e não terminam por decreto, ou deserção.


dc



sábado, 21 de outubro de 2017

Cai a Máscara




                                                Seja qual fora máscara
                                                            Para enganar
                                                Seja qual for o perfume
                                                            Para disfarçar
                                                Seja qual o penteado que se aprume,
                                                            Para mostrar
                                                Sempre virá ao de cima
                                                            Aquilo que não é
                                                O “Se” que se quer esconder

                                                dc


quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Trace Urban




Sem qualquer roupa no corpo, pronto para o banho, regressou à sala pensando em endireitar as costas e relaxar. Ligou a televisão e começou a ouvir música “Trace Urban”. Tirou o tapete de fazer exercícios, de trás do sofá da sala, deitou-se de costas sobre ele. Não corria qualquer brisa, a música entrava-lhe no corpo e fazia-o mexer de forma contorcida como se procurasse massajar as costas. Colou bem as costas no tapete, enquanto as mãos iam fazendo arabescos no ar ao ritmo da música. Estava a divertir-se não importava se estava nu, ou se era ridículo o que ali fazia, aquele instante trouxe-o a tempos passados, em que adorava dançar, rir-se e fazer rir os outros. Tempo em que amigos e familiares aturavam aquele metralhar de frases e gestos anedóticos rindo-se a bandeiras despregadas. A sua capacidade de dizer as maiores verdades, no meio de sorrisos e piadas amistosas, era enorme, não feria os sentimentos das pessoas nem as ridicularizava. Onde parava esse homem, que lhe acontecera, como tinha deixado que lhe levassem o sorriso, a vontade de conviver e de partilhar?
Não se lembra quanto tempo esteve naquele preparo, de costas coladas ao tapete e de corpo despido de roupagens de qualquer espécie. Levantou-se do chão, e foi-se meter debaixo do chuveiro, deixando a água quente correr sem tempo. Do mesmo modo que no chão, agora queria estar ali deixando a água cair-lhe sobre o corpo encorrilhando-lhe a pele, acrescentando rugas às já existentes, como que esperando que a água arrastasse da superfície todo o lixo que o impregnara dessa tristeza. Sentia a água escorrendo da cabeça para os pés e de seguida para o ralo, o mesmo queria que fosse, com tudo o que dentro de si sentia. Talvez a água o lavasse exaurindo-o, ficando limpo e brilhante, trazendo-lho o humor e confiança de sempre. A vida é para ser vivida.
Fechou a água, o corpo fervia, a pele fazia rugas, Numa espécie de zero pensamento, foi-se enxugando, como quem tira a gordura dos fritos, num papel mata-borrão. A música continuava na sala, não lhe apetecia desligar o televisor, estava estranhamente calmo, alguma coisa tinha ido pelo ralo, ainda não sabia bem o quê, mas que foi foi.


dc