Já não olha, não quer ver o sal dos olhos, os
rostos macilentos, os sorrisos dos outros, o que vestem, como andam. É um
indiferenciado no meio de outros.
Os que o observam, divergem na opinião, pela
incapacidade de o entenderem, nem saberem das razões da sua postura e
aparência. Uns sentirão dor, pensando ter uma cota de responsabilidade, outros
desprezo e muitos outros indiferença ao que vêem.
Senta-se na mesa de bancos altos, chinelos em vez de sapatos, por opção diz ele,
roupa gasta, barba por fazer, num rosto chupado, com os olhos escavados, e o
tal olhar que não olha, está lá, perdido sem luz. Fica com os dedos das mãos cruzados,
unhas sujas, de mãos encardidas, possivelmente por não ter abrigo, ou de andar
a catar nos caixotes do lixo. Não parece esperar que alguém entre e lhe ofereça
um café, ou um pequeno-almoço que lhe mate a fome atrasada que sempre traz
consigo.
Um possível desempregado de longa duração, um sem-abrigo quem sabe? A sua boca
tem demasiados silêncios para se abrir. As emoções, os silêncios, o vazio, e,
possivelmente as ideias e os pensamentos se perdem, não se conseguindo ligar
nem se entender com a envolvência. Sente-se o caos dentro dele, a falta de
perspectiva, a capacidade de tomar um caminho, de ter a atitude certa à
resposta, se necessária, ou se aquela quer responder. Eu que o observo e sinto
que ele sabe, que perturba os outros com a sua presença, mas que lhe é
indiferente, ele é uma bofetada social, para a qual não temos resposta, ou não
a procuramos. Procurei a sua fala, mas não consegui muito, o seu olhar
continuou para além das minhas costas, evidenciando desinteresse ao que eu
pudesse dizer para além da sua escuta interior. Ele não era um cachorro
abandonado nas ruas a quem tentamos conquistar a sua confiança nos seres
humanos. Ele parecia um ser humano que só confiava nos cachorros.
dc