domingo, 22 de abril de 2018

O domingo não era o seu melhor dia





A noite está negra sem o luar e céu brilhante das noites de verão. Será a mente que o atraiçoa e existe luz fora de si, ou está mesmo escuro? Sente cheiros, ouve ruídos, até sente a brisa que se arrasta na pele da face, O absurdo é olhar e não ver. Nem as palavras, que sabe que estão lá, tantas vezes surgindo alinhadas e expressivas, como gosta de ler nos livros, nos jornais, ou até no monitor do computador. Nada, tudo negro, mesmo de olhos abertos. O que se passa nesta noite escura, que se atravessa como um labirinto sem que veja saída. Não cegou, mas não enxerga. Qual a razão desse receio que fecha o cérebro ao conhecimento, ao acto de ver? A que se fecha ele, o que não quer ver? Qual a razão da fuga à realidade, que o atormenta neste desafio de viver, neste aterrar na crueza da vida que macera a pele e os ossos, porquê se sempre tem sido isso mesmo? Que erros foram cometidos, quais os sonhos corrompidos, quem magoou? Por que razão, o frio gelado desta escuridão o assola? Dá passos errantes, naquele bosque de arranha-céus, sem saber onde parar, nem como descansar, ou encontrar um colírio, que lhe permita novamente ver com o mesmo olhar de outrora que lhe trazia as cores e os sorrisos. Talvez a cegueira tivesse como razão, esse silêncio de raciocínios ininterruptos, num diálogo surdo, entre ideias gastas e palavras sem sorrisos. A vida só lhe oferecera a existência, ninguém lhe distribuíra à nascença o manual de instruções. Ao contrário do que dizem, não tinha o destino traçado, todos os dias tinha de desenhar e inventar as formas de resistir e sobreviver ao tédio. Na prática, o que lhe estava a acontecer, não seria fruto do cansaço? A repetição dos raciocínios e a cegueira se mantinha ininterrupta. Domingo não era o seu melhor dia.

dc

segunda-feira, 16 de abril de 2018

Escrita de orvalho




Agarro-me a longínqua esperança de que um dia estarás lá à minha espera, algures num lugar sem tempo, de respiração volátil, sem terra firme, antes com nuvens debaixo dos pés, naquele sentir fofo, agradável, de quem vive a concretização de um sonho de forma inesperada. Quero-te na dobra, dessa esquina do tempo, em que tudo nos surpreende, fascina e nos faz acreditar que não há coisas impossíveis, mas estórias que demoram mais a concluir. Aquela pedra, onde um dia tropeçaste, já não está lá, o tempo e a evolução tirou-a do caminho. Agora somente existe espaço verde, um lago, onde os patos e cisnes ensaiam mergulhos,  caminhos ensaibrados onde as crianças correm, adultos simulam fazer exercício e os avós de mão dada fingem-se namorar. Por isso, é mais fácil, agora, teres a certeza de que podes vir descalça de todas as preocupações, sem pose politicamente correcta. Ninguém quer saber. Só eu repararei nos teus pés descalços, nas unhas pintadas, na saia curta e leve, na camisola de linho, onde os seios desenham promessas, nos olhos claros e brilhantes, nas madeixas do  cabelo, que esvoaçando, desenham estórias no ar.
Não sei se notaste, mas estava a escrever-te, quase sem me aperceber que o fazia, tão comum é perder-me em ti, nesta viagem perene em que existimos. 

dc

sábado, 14 de abril de 2018

A mentira.. a dois




A mentira a dois, a três a quatro, sempre a mentira, para salvar o que se diz certo, a mentira para fugir da monotonia, a mentira, criando agonia a quem mente, para se salvar  e usufruir da liberdade de ser quem é. Ele engana, ela engana, todos se enganam pelas melhores razões e assim continuam, falando e justificando para os seus botões: Se digo a verdade vou estragar a paz, se eu amo, porque dizer a verdade de que amando engano? Assim vai o mundo da relação a dois, todos polígamos dizendo-se monogâmicos, em encontros “kármicos”... sempre melhor sozinho/a do que “mentiramente” acompanhado....?

dc


segunda-feira, 9 de abril de 2018

Todos apelamos ao tempo



Todos apelamos ao tempo,
Todos choramos a perda de tempo,
Todos queremos ganhar tempo.

Inventamos uma máquina
Só para medir o tempo
Controlando os dias
Os anos e a nossa idade.

Melhor seria viver o tempo
Com tudo o que enche o presente
Sorvendo o outro tempo
Das diferentes estações do ano

Será que precisamos saber
A vida à hora, minuto, ou segundo,
Na angústia do tempo perdido
Como se fosse o fim do mundo?

dc

domingo, 8 de abril de 2018

DESPEDIDA





Só quero um abracinho
Disse ela com olhos d’água
E seu cabelo loirinho

Eu só quero um beijinho
Não quero esta mágoa
De te deixar sozinho

Eu só quero ficar aqui
Sempre ao teu lado
Bem encostadinha a ti

Esta é a cor do meu amar
Neste meu tempo limitado
Vou partir querendo ficar


dc