Uma da manhã, o ruído acorda-me. Em
apartamentos de férias, de gente pouco abastada, as paredes são de papelão e os
ruídos acontecem como se fossem dentro do nosso espaço. Ouvia-se a água a correr
de um chuveiro, e todos aqueles ruídos, que alguém habitualmente faz quando
toma banho. Um pouco mais tarde o ruído da escova de dentes e água do lavatório
a correr…
Ela entrou, com uma blusa preta e uma saia,
cor branca, a desenhar-lhe o corpo, cabelo aloirado, com madeixas de cor clara
e escura, preso na zona da nuca. Olhos verde-claro, boca carnuda, orelhas com brincos
simples. Educadamente, levanto-me para puxar a cadeira onde para se sentar à
mesa comigo. Uma ligeira vénia surgiu de si como agradecimento. Após a
conversa, plena de lugares-comuns, entrecortados com sorrisos e gargalhadas,
foi evoluindo aumentando a intimidade, até terminar com um beijo, ousado que
ela se permitiu sobre a minha boca. A boca húmida, deliciosa, agradável, macia
como veludo, fofa, adentrando mil emoções em mim. De seguida levantou-se, pegou
na pequena bolsa e sugeriu ir maquilhar-se. Muito tempo depois, não tendo
regressado, fui saber da razão da sua ausência. Procurei em todo o espaço, e
não a encontrei, resolvi com calma, perguntar ao empregado do restaurante se
tinha visto a senhora, que estava comigo. Fiquei a saber que afinal ela tinha
saído, segundo parece de forma apressada, sem, como diz a estória, tivesse
deixado um pequeno adereço que me fizesse encontrá-la. Umas semanas mais tarde,
quando atravessava a ponte que une as duas cidades, vejo-a correndo sobre o
tabuleiro superior da ponte, com os cabelos soltos, vestindo, já não roupa de
férias, mas um casaco de pele, com lã branca a sair da gola e dos punhos.
Parecia perseguir algo. Um grupo de pessoas, parado no passeio, travou-lhe a
marcha e após conversa agitada com mãos e braços gesticulando, retomou de novo
a correria, até que mais à frente, encontrou uma multidão de pessoas que se
manifestavam, que a impediu prosseguir. Enquanto isso, eu corria no seu encalço
e observava tudo de longe, assim vi o seu ar desanimado, como se algo tivesse
impedido de atingir o seu objectivo. Levantou os olhos, ao ver-me aproximar-me,
correu na minha direcção e disse-me: não preciso correr mais! Atirou-se nos
meus abraços e deixou-se aconchegar, como se tivesse encontrado o seu lugar.
Olhou-me, com os seus olhos, cor de mar, cheios de lágrimas, beijou-me e disse:
eras tu quem eu procurava!
O apartamento de férias, dava para um corredor exterior do lado da rua, a sua
entrada, ficava no lado esquerdo e no lado oposto, no fim do corredor, ficavam
as escadas de saída para rua. Ao sair para a minha caminhada matinal, vejo o
perfil duma figura de mulher, a sair da porta do apartamento pegado ao meu, só
via, cabelo com madeixas, saia comprida e blusa preta. Instintivamente paro. Havia
algo nela que reconhecia, rodou o corpo olhou-me e o espanto tomou-me…e despertei.
dc