Estou tão farto deste senhor, que ao ver este texto num blog não resisti a publicá-lo.DC
Soares, por J. Rentes de Carvalho
«Seria longo detalhar as razões da minha antipatia por Mário Soares como figura política. Datam de Paris, no começo dos anos 60, e permanecem. Tenho também pouco apreço pelos que, ingénuos ou ignorantes da História, e dizendo-se eternamente gratos, se lhe referem como "o homem que nos trouxe a Democracia." Não trouxe. As peripécias são outras e menos simples. Mário Soares desagrada-me ainda como pessoa, pois simboliza aquilo que detesto e de que desdenho na burguesia portuguesa: a falsa pachorra, a jovialidade de pechisbeque, o modo paternal, o sorriso pronto, a mãozada, os Ora viva!, a festinha aos humildes; por detrás de tudo isso a ganância, o cálculo frio, o desprezo do semelhante, a presunção, o sentimento bacoco de casta, os rapapés, a mediocridade. O senhor Mário Soares sabe o que dele penso. Isso, contudo, parece não obstar, pois tenho recebido os seus livros, autografados, e surpreendeu-me um Natal, enviando um retrato seu, dedicado "Ao meu caro amigo J. Rentes de Carvalho". Surpresa tive-a também um dia em 1998, quando o competente e muito amável João Rosa Lã, então nosso embaixador em Haia, me telefonou anunciando: - O Mário Soares vem cá almoçar e pediu que o convidasse, pois quer muito falar consigo. Lá fui. Seríamos cinco ou seis, mas o cordial ex-presidente como que se apoderou de mim e, esquecendo os outros, esmiuçou longamente, miudamente, a sua visão da política portuguesa. Fui ouvindo, e em determinado momento, para rebater o que ele afirmava disse-lhe: - Mas isso, senhor presidente… - Já não sou presidente! Chame-me Mário. Agradeci, recusei, disse-lhe que da minha parte acharia indecorosa a familiaridade, se bem que... - Se bem que? - Dá-se o caso que o senhor presidente e eu já dormimos na mesma cama. Contei-lhe depois a história, resumindo os detalhes e escondendo o remate.
Deve ter sido em Setembro de 1948, os dezoito anos feitos, que o Dr. Armando Pimentel , amigo e mentor, me convidou para um jantar em Macedo de Cavaleiros, onde padres ricos e proprietários abastados iam festejar a excepcional colheita de trigo e centeio desse Verão. De Estevais a Macedo leva-se uma hora, naquele tempo dava a ideia de se ter feito grande viagem. Amesendámos na então já nomeada Estalagem do Caçador. Éramos muitos, eu o único jovem, sei que se começou com alheiras e chouriças, a seguir perdiz, borrego, leitão. O resto sumiu-se da memória. Uns trinta anos depois aconteceu-me passar por Macedo, almocei na Estalagem, iniciando uma espécie de ritual, e desde então vezes sem conta lá comemos e pernoitámos, criando boa amizade com a D. Maria Manuela, que com simpatia e perícia dirigia o estabelecimento. É ela que nos acolhe uma tarde de muito calor, manda preparar uns refrescos e, enquanto beberricamos e coscuvilhamos, diz que nos reservou um quarto especial. Sobe connosco, abre a porta, e anuncia com maliciosa solenidade: - O Mário Soares dormiu aqui ontem! No fundo achamos desagradável a nova, é como se as exalações do corpo e da personalidade do homem ainda flutuem no aposento, mas sorrimos, dizemos umas palavras de circunstância, a D. Maria Manuela despede-se. A empregada, transmontana, retornada de Angola, espera que a patroa desça, encosta a porta, e rosna, truculenta, ao mesmo tempo que nos agarra pelos braços: - É verdade! O filho da puta dormiu aqui! Mas estejam descansados, que já desinfectei!»
(Retirado do blogue Tempo Contado, da autoria do escritor)
Ouve-se a voz que se vai entranhando em nós, e as lágrimas vêem aos olhos, com as lembranças que nos trazem. As lutas em defesa de uma sociedade melhor, com a ditadura à perna, com o risco de prisão e tortura. As reuniões clandestinas, a propaganda metida debaixo da porta, o 1º de Maio que se levava à pratica, sem paragem ou feriado autorizado, com policia nas ruas e a Pide. As actividade dos estudantes e suas reivindicações, as greves, as pichagens nos muros e nas estradas, a troca de livros proibidos, a censura. Tudo se mistura rapidamente na cabeça.
Hoje, alguns indivíduos ostentam cravos na lapela, escondendo hipocritamente, as atitudes e comportamentos de profundo desrespeito pelo povo e pelo esforço heróico de muitos que lhes deram de bandeja a liberdade. Alguns, que hoje nos governam, nunca viveram na pele a ditadura e gozaram em pleno os benefícios e apoios num país livre. No entanto, hoje, vivendo em plena democracia que nada fizeram para a conquistar, vem dizer ao povo, que temos de fazer sacrifícios, e passar uma esponja sobre tudo aquilo que são direitos trazidos à luz do dia pelo 25 de Abril.
Como se pode ver no vídeo os "Donos de Portugal", não é o Povo o "Dono" do país nem responsável pela crise que se vive e é criminoso que a ele lhe seja atribuída, obriguando-o a pagar com sacrifícios enormes.
Temos de voltar a congregar vontades, encontrar soluções e pontos comuns de entendimento, entre todos aqueles que acham que o Abril deve permanecer, no sentido de mantermos os direitos conquistados e repor todos aqueles que nos tiraram.
Hoje é véspera das comemorações do 25 de Abril. Se é um facto que a revolução trouxe aos portugueses um novo acreditar nos homens, na verdade, é que passados estes anos todos ficamos com a ideia de que alguns homens, se aproveitaram a ingenuidade do povo, para assumirem um papel para o qual nunca estiveram talhados e que acabaram por destruir a oportunidade única de Portugal ser um país a sério.
No que se refere aos homens que lideraram o movimento militar, alguns rapidamente abandonaram o processo, de forma quase ingénua, acreditando que a democracia implantada na altura, impediria o retorno ao passado. Os outros, da área política, preocuparam-se mais em servir as suas filosofias pessoais e de grupo, em detrimento do povo que diziam defender. Destes, como se pode hoje observar em retrospectiva, assumiram grande protagonismo, do qual se aproveitaram, para se colocarem nitidamente do lado daqueles que a revolução levara a fugir por estarem envolvidos com o Estado Novo. Dois desses senhores políticos famosos chegaram a Primeiro Ministro e à Presidência do pais com as consequências que hoje se conhecem. Entrega das expropriações legitimamente feitas, a terras não cultivadas e de empresas que os trabalhadores mantiveram activas, após o abandono dos seus proprietários, premiando-os com indemnizações chorudas, para que tudo viesse a ficar como dantes. Em alguns casos, como nas zonas da reforma agrária, resultou em novo abandono das terras, e a sua venda posterior e com os resultados que se sabem, voltamos a depender, em grande parte, de importações agrícolas. E em outros casos, empresas entregues aos patrões que rapidamente as levaram à falência, com o consequente desemprego onerando as despesas do país.
De um período revolucionário, de grande criatividade, melhor qualidade de vida, maior enriquecimento cultural, maior participação dos cidadãos, estamos hoje reduzidos por um espartilho político ditatorial de um governo que serve os interesses dos capitais e políticas dos senhores do dinheiro, a um povo sem auto estima, submetido novamente ao medo do poder e do grande capital. Com um grande número de desempregados, com condições de vida que atingem os limiares da pobreza em muitos dos portugueses e com um governo que pretende em nome da crise acabar, com todos os direitos que a revolução nos trouxe, tentando impor ao povo, o bafio salazarento de tão má memoria.
É importante que o povo português saiba do seu poder e da sua capacidade para mandar na roda do progresso e da história, para que novamente coloque o carro nos carris do progresso e da democracia. Para tal temos de perder o medo e avançar com todas as formas de luta, legitimadas pela indignação e pelo direito a ter uma sociedade melhor, mais solidária e com benefícios de todos e não só de alguns.
É preciso que o povo, como no período da Revolução de 25 de Abril, reconquiste a liberdade, defendendo os seus direitos nas empresas, nas escolas, universidades, nos seus sindicatos, associações profissionais, culturais, e muitas outras.
Não só devemos dizer que temos de defender a Abril, mas também, que estamos dispostos a fazer uma outra revolução com data a marcar urgentemente.
Fios ténues prendem nossos sentimentos, entre o passado e presente. Fios delicados, emaranhados, tão confusos como o nosso cérebro, e o seu pensar. Fios de vida que não nos deixam partir, percorrendo outro caminho, procurando outro lugar, e nos mantêm amarrados ao ficar.
As partidas são sempre difíceis e deixam marcas, sejam elas de que tipo forem.
A partida é a perda de algo e causa sempre dor. E, por vezes, só avaliando repetidamente os factos passados é que encontramos respostas, que nos ajudam na vivência do presente, e na construção de um futuro melhor. As memórias não podem ser eliminadas, elas são usadas como motor da aprendizagem.
O deixar para trás vivências e emoções, e muitas vezes por causa alheia, inevitavelmente provoca uma ruptura com o nosso bem estar, cria inseguranças, perda de auto estima, perda de lucidez. Dizem que não se deve remoer o passado e dar um passo em frente, mas na realidade isso não é mais do que um chavão. Ninguém esquece mais a morte de um filho, de um pai, de um irmão, de um amigo, ou de um grande amor. Tudo fica registado, como se costuma dizer, para memória futura. A dor e a sua presença na nossa mente vai-se esbatendo, mas dificilmente desaparece. O grau, a intensidade da partida, ou as razões dela acontecer, são um factor importante no seu maior ou menor esbatimento, assim como essa dor se veste de diferentes emoções. pode ser por algo que se gostou, ou por algo que se não gostou. Se for por algo que se gostou, podemos vir a ter um sorriso para a aceitação. Se for algo que nos magoou, teremos sempre um esgar quando lembrada.
As partidas são também motivo de criatividade para artistas, escritores, alimento de psicólogos, ou psiquiatras, todos eles falando delas por experiências vividas, ou observadas. Todas elas estudo de memórias, do passado, do presente, e se calhar do futuro.
Ela partiu de facto, mas deixou atrás de si memórias, e levou memórias que nem a pele dos dedos esquece, nem o frio nos lábios faz desaparecer o calor dos seus beijos, nem a distância atenuam o prazer da memória do seu abraço. De tempos a tempos elas regressarão, as memórias, e com elas virão os momentos mais gratificantes, porque os outros não interessam.