domingo, 9 de junho de 2013

SONHO, esse LUGAR ÚNICO de realização.




Nunca se alheou do que via, percorria sempre atento o sinuoso desenho que a evidenciava, Nunca se perdia em fantasmas que desconhecia, agarrava a realidade, que de quando em quando, até ele chegava. Atentava, por natureza própria, mais na forma, Mais no aroma e no sabor a frutos maduros, do que no perfume da rosa.

Vivia o presente com a intensidade de quem vai partir, sem saber quanto o tempo, ou quanto a distância, o deixaria sem esses passeios ao longo das linhas onduladas onde seus dedos a procuravam, Ficava preso no sabor da sua boca, que beijava no espaço entre as palavras, curtas e expressivas, ditas na intimidade de sentidos.

Tentava tudo reter na memória, para não flutuar no vazio da sua ausência, Ausência esse mar inóspito que nos deixa a vogar ao sabor da saudade.

Não havia prisão, nem espaço de engano, somente acontecia, como num sonho, Sonho, esse lugar único de realização.

Uma noite, a realidade matara o sonho, e este apareceu atrás das grades.

DC
 


sábado, 8 de junho de 2013

AGONIA DA ALMA


NÃO SOMOS APENAS


Um homem não pode fazer o certo numa área da vida, enquanto está ocupado em fazer o errado em outra. A vida é um todo indivisível.

Mahatma Gandhi


Vi, li com atenção, nada mais apropriado aquilo que em muitos de nós subsiste.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

DISTÂNCIA NÃO É RAZÃO

Pensa! O pensamento tem poder.
Mas não adianta só pensar.
Você também tem que dizer!
Diz! Porque as palavras têm poder
Mas não adianta só dizer.
Você também tem que fazer!
Faz!
Porque você só vai saber
se o final vai ser feliz
depois de tudo acontecer.

Gabriel "O Pensador"


QUASE AMOR À PRIMEIRA VISTA




Íamos os dois caminhando no jardim arborizado quando aconteceu. Ela saiu-nos ao caminho, deixando-nos espantados. Ele ainda pequenito, não acreditando no que via, olhando para mim com o seu ar meio admirado. Eu adulto sorria-me vendo as diferentes reacções, O que nós víamos à nossa frente, era bela figura, com uma espécie de juba preta, ondulando as ancas com ar atrevido, olhar vivo, e rabo espetado, Parecia ter-se atravessado ao caminho, como a convidar-nos a segui-la. Ela parecia adivinhar que havia ali “alguém” precisando de companhia. Rimo-nos, eu não estava virado para ali, por isso procurei dirigir-me, noutro sentido, conversando com ele animadamente, e mostrando-lhes os vários recantos do jardim, onde proliferavam várias espécies de flores e árvores, que sobressaiam do verde, dos relvados com o sol que se lhes projectava, Mal nos precatamos, e aí tínhamos novamente a fulana à nossa frente, como se nos quisesse convidar, Não parecia ter vergonha e insinuava-se, na seu elegância e com o seu olhar felino. O miúdo, olhava para mim com ar maroto e parecia começar a simpatizar com a ideia de nos meter-mos com ela e convidá-la a vir connosco. Fomos caminhando olhando de relance e verificamos que ela parava, ao mesmo tempo do que nós, como se estivesse cheirando as flores, tal qual um detective disfarçando.


A certa altura, distraímo-nos e reparamos que ela entrou para determinado espaço do jardim, frondoso e pleno de arbustos, como se de repente deixasse de estar interessada em nós. Ele olhou-me com ar maroto e devagar pé ante pé dirigimo-nos por onde ela tinha ido, Se tivéssemos combinado, não seriamos tão prontos a reagir, Eu na frente para não haver nenhuma surpresa complicada e ele ligeiramente atrás, com a mão agarrado ás minhas calças. Ao entrar na clareira, a seguir aos arbustos de onde ela tinha entrado, vimo-la lá estava ela.

Para nosso espanto, agora olhava-nos com um ar desafiador e quase irónico, abanando a cabeça, Olhei o miúdo que estava espantado com o olhar fixo.

A nossa querida amiga, tinha entre os dentes não as contas de um colar, ou uma flor, E embora soubéssemos ser natural na espécie  animal, tal facto, já não tivemos vontade de a trazer connosco, a visão do pássaro na sua boca tirou-nos o prazer de toda a experiência vivida e de comungar o mesmo espaço.

É gato, está na sua natureza.

domingo, 2 de junho de 2013

DIZ ELE porque SABE


de Mia Couto

PARA TI

Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo
Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que falhei
o sabor do sempre

Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só olhar
amando de uma só vida

PERTURBAÇÃO



Sente-se abafado, encurralado, entra e sai, sempre no mesmo espaço de trinta metros quadrados rodeado de livros e memórias. Passeia à volta da mesa oval, procurando não tocar nas cadeiras, e vai olhando as paredes, com os quadros, fotografias, sofás e estantes cheias de livros. Não caminha pelo exercício, caminha pensando, tentando encontrar respostas, ao inexplicável, como se e procurasse o sítio de entrada do ar numa bola de plástico.

Já fora para junto do mar, como sempre, e ele no seu infinito marulhar, não lhe acalentara os pensamentos nem lhe dera soluções, ele também não sabia,   se por orgulho, ou por outras razões, a verdade é que tirando a sua ondulação, não lhe dava qualquer caminho, tudo se passava como nos filmes, nem todos acabam bem. Em alguns, o realizador tenta contrariar o final feliz que o espectador espera acontecer, para que tome consciência de que a realidade não tem muitos finais felizes, por vezes saímos pela porta traseira da vida.

...procurara um café, onde estar, e poder ler um dos seus muitos livros. Normalmente trazia dois ou três consigo, na sua sacola, para escolher o mais adequado ao momento, e ao local onde se sentava. Nem todas as horas ou locais serviam, esta mania poderia ser uma tontice, ou não, mas na verdade o espaço escolhido tinha de ter um conforto especial para que a leitura se realizasse. Nestes dias, isso não acontecia. Tudo o enfastiava, pouco depois de entrar e tomar o café, procurava sair rapidamente e voltar para o local de partida, a casa. Aí novamente apertado entre as paredes de onde fugira, procurava reiniciar a leitura suspensa e perdia-se no nevoeiro das incertezas, adormecendo por minutos regressando tudo ao princípio...

..ontem as paredes conversaram com ele e riam-se, ondulando de gozo a cada gargalhada, aproximando-se perigosamente de si como se quisessem apertá-lo com braços de betão, Os livros nas estantes sussurravam entre si chacotas, e as palavras que ele não lera, num bailado confuso, formavam-se e desfaziam-se no ar, Os quadros coloridos e as fotografias faziam cenários dantescos, deixavam as tintas escorrerem pingando pelas paredes abaixo, criando lágrimas de tinta. Entretanto rostos estranhos , juntavam-se à festa e se espalhavam no ar com roupas vestidas deixadas ao acaso.

Lembrou-se, ligou a aparelhagem colocou um CD com música sentou-se no sofá, e deixou-se ir, Não adormeceu, entrou numa sensação letárgica entre nada e tudo, voando entre nuvens e sonhos estranhos, que o fizeram recuar no tempo, As flores enchiam os campos e o rio corria docemente entre o arvoredo, Era domingo, e as pessoas se dirigiam à igreja de fatiota, Deu por si de repente sentado, numa mesa comendo regueifa com muita manteiga e a chávena de café com leite à sua frente... mudou o lugar e mudou o sonho, Um gato matizado de cinza e branco, se sentava no regaço de uma pessoa de quem não via o rosto, encostava o focinho ao nariz dela, ele observava como fotografia com grande ampliação e desfocada. Tudo flutuava, Novamente o cenário mudou e outro se iniciou, Agora um ecrã dum portátil com um texto escrito, que tentava ler e que não conseguia encontrar o sentido nas palavras, mas que o angustiavam cada vez mais, sem saber a razão, agitando-o, Sentiu-se voar descendo num buraco negro que não mais tinha fim, O triim trrrim do telefone tirou-o do torpor em que se encontrava e trouxe-o de volta, Não chegou a tempo de atender, quem seria, aquela hora? Voltou para o sofá, sentou-se, e esperou que tudo o acontecera nos últimos dias não passasse de um sonho mau, que o telefone felizmente interrompera.

Afinal, pensava, também há finais felizes.