quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

O reflexo



Encarando o reflexo como filtro de si própria, a beleza da forma ainda sobressai das ruínas que a envolvem... ali se vê...um corpo, só um corpo agora despido das roupagens, se refrescando na brisa que o fustiga, livrando-a do cheiro e do peso das mãos que a acariciaram, os seus pensamentos e desejos se mantêm intactos, para que a saudade não se instale, e o futuro seja sempre uma janela a acontecer.

dc


segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Beijo de Carnaval



Caminhava em passo estugado, como de costume, fazendo disso o meu exercício matinal. Sentia no rosto o frio das pingas escassas de chuva “molha tolos” e o vento, que trazia com alguma força, tirando-me da modorra e sono que ainda habitava em mim. As ruas estavam silenciosas, de onde em onde passava um carro e muito poucos se encontravam estacionados. Sugeria uma espécie de abandono das gentes, talvez expectável tendo em conta que era um dos três dias de Carnaval, como tal seria normal que os farristas e as famílias aproveitassem, a tolerância de ponto, para se deixarem dormir um pouco mais, gozando o calor da casa. Os pensamentos, em tal cenário, divagavam para outras zonas menos citadinas e tempos mais distantes, que mais se acentuavam com o cheiro a madeira queimada que por certo alimentaria os recuperadores e lareiras. Se não fossem os pormenores citadinos, como aquele correr de vivendas, os edifícios de apartamentos, as bocas de incêndio, o alcatrão, quase parecia caminhar por uma aldeia dos meus ancestrais.
Nesse caminhar e divagar fui fazendo o meu exercício, quando de repente, ao chegar ao fim de uma das ruas, trazido pelo vento chega-me um perfume intenso misturado com o cheiro mundano, noctívago, e no dobrar da esquina deparo-me com uma figura feminina voluptuosa, suportada num corpo escultural, que se adivinha através da lingerie que o desenhava, debaixo de uma espécie de tule preto que a cobre desde os ombros até pouco abaixo dos joelhos, secundado por umas aberturas laterais que deixam apreciar uma pele branca marmórea, O rosto de cor pálida, belo, tem as sobrancelhas e as pestanas pintadas de negro, as pálpebras de um tom de azul acinzentado, e as olheiras acentuadas, sugerindo cansaço, realçavam o brilho dos olhos, Lábios marcados, por um batom cor rubi, meio esborratados, especulando beijos, O retrato que agora faço do momento, foi desenhado no meu cérebro como se fosse um laser rápido, que em segundos me marcou. O espanto e a surpresa, daquela figura perante os meus olhos, provocou-me um ligeiro tropeço, que a sua mão delicada impediu que tomasse proporções mais graves, agarrando o meu braço e colocando-me em milésimos de segundos a meia dúzia de centímetros de si, Inebriou-me com o seu perfume e sorriso divertido, enquanto os seus olhos perscrutavam-me. Ainda mal refeito, sinto a sua boca quente sobre a minha sorvendo-me os lábios, sentindo a sua língua  insinuando-se na minha, e o seu corpo se insinuando no meu, Meio atordoado, pela surpresa do que ocorria, ouço o barulho de portas se abrindo, dum carro negro que parecia surgido do nada. Caímos no banco de trás em inexplicável samba de corpos que se libertam do supérfluo e se encaixam, ambos perdidos na bruma do prazer que os tomava, nem o meu corpo suado parecia incomodá-la, antes pelo contrário, A sua boca é um vulcão, percorre-me e assenhora-se de mim, sinto os seus beijos e os dentes ligeiramente afilados na pele, entro num labirinto de emoções e perco a noção do tempo, como se asas me tomassem o corpo levando-me para as nuvens, numa espécie de loucura que se apoderou dos meus sentidos...ouvia a sua voz quente se distanciando num discurso que não percebia. Algum tempo depois, recuperando a razão, vou-me assenhorando do lugar e de mim. Ela tinha desaparecido, somente um pequeno lenço preto repousava no estofo do carro, com uma ligeira mancha vermelha, a luz do dia que chegava do exterior incomodava-me os olhos, Fechei um pouco mais a porta enquanto me recompunha e olhei o rosto pelo retrovisor do carro e fiquei horrorizado com o que via. Os meus olhos se perdiam numas olheiras profundas, escuras, num rosto descolorido, dois pontos pequenos, escuros marcavam o pescoço, e os lábios como um desenho escuro desenhando a boca...ainda não refeito do que sentia e via, ouço a sua voz quente, como surgida de nenhures, em que se adivinhava um sorriso, que dizia pausadamente: ”caminhante o caminho faz-se caminhando...é Carnaval não leves a mal...ah ah ah” 
dc



sábado, 6 de fevereiro de 2016

A História faz-se de estórias




O tempo passou rapidamente, ainda ontem a fralda te enrolava e a tua voz era feita de nham hnam..e sorrisos. Hoje, já és um menino crescido o suficiente para te expressares num falar coerente, pedires e dares atenção a quem te rodeia, pais, avós, tios, e todos os outros amigos, professores, expressando com clareza bastante, desejos, vontades e as necessidades que te movem construindo o teu caminho.

Fazes hoje nove anos, e pela tua frente um mundo para viver com aventuras cada vez maiores. Já não serão as estórias como a “Vida Mágica da Sementinha” de hoje, mas outras estórias não menos ricas, mas mais reais e vividas do que nunca, com que irás crescendo e fazendo a tua própria história.


Hoje, enche o dia vivendo sonhos de princesas e príncipes que a tua imaginação alimente, vive a
  alegria da amizade, fraternidade, dos teus companheiros, amigos e família. Aproveita o sol da vida e sorri com a alegria do girassol, que alimenta os pássaros com a sua cor e presença.

É muito, mas mesmo muito bom, que existas para todos nós que tanto gostamos de ti, e tudo faremos para te acompanhar o mais tempo possível, na tua/nossa existência, no futuro largo que tens a percorrer.

Beijos e um xi apertado do teu avô.

dc

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Através das Janelas



por trás da janela,
descendo, ou subindo,
vidas se movimentam
na especulação dos dias
sem prever quando caem
ou quando se levantam,
nem quando o azedo
ou a doçura
se fazem presentes.

vidas, através de janelas
mais ou menos discretas,
mas todas vidas concretas,
existentes nas ruas, ou vielas,
com estórias que falam delas.
nem sempre vistas de fora,
nem sempre janelas com horizonte,
às vezes, só mesmo luz como fonte.

difícil olhar um sol ambicioso
através do embaciado destino,
que o vidro caprichoso
afasta do nosso caminho.

ficamos subindo e descendo,
descendo e subindo,
num sucessivo crescendo,
à espera que num dia radioso
toda a dor se torne ausente
num mundo sem janelas
com a liberdade presente.

dc

 




domingo, 31 de janeiro de 2016

De dentada em dentada




Quem poderá dizer quem comeu o quê? Se a vermelha maçã, a verde, ou se a verde maçã, a vermelha... As conotações de cor podem querer dizer que a verde está a precisar de amadurecer, e que a vermelha já madura tem a experiência do saber, o calor do seu comer, ou é imagem do pecado que dizem do Paraíso tem seu nascer. Poderá também pensar-se a cor verde, tem conotação de frescura, de esperança e um regalo para os olhos, ou que está pronta para amadurecer. Na verdade foram esculpidas com dentes de sabedoria, uma e outra foram comidas de expressa vontade, desenhando na forma a realização do seu desejo... de dentada em dentada, na boca como um beijo.

dc 



quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Por trás de um sorriso...


  
O sorriso dominava-lhe o rosto, sempre atenta ao que a rodeava, nas situações mais difíceis brincava com as palavras, alargava o seu sorriso e o carinho com que se expressava, Todos tinham, perante ela, lugar no seu tempo disponível para serem compreendidos e ânimo para desenvolver as suas confissões. Nem todos percebiam essa sua forma de estar, a extravagância no vestir, o seu comportamento aberto e sem constrangimentos, o que não raro, transmitia sinais errados em especial aos homens, Estes perante ela descreviam o seu mundo de raivas, incompreensões e desesperos, e procuravam em seu ombro pouso de lamentos, alguns, erradamente, pensavam que isso criava suficiente intimidade para terem direito a usufruir o seu corpo e a sua bondade. Ela só dava um pouco de si para contribuir para alegria e felicidade dos outros e de si própria, não permitindo que lhe tirassem o sorriso de que não pretendia desligar-se, mesmo quando o lado negro da vida a convidava a retirá-lo da moldura do seu rosto. 
Verdade, verdade, ela se perdia nos seus sonhos e muitas vezes era possível encontrá-la sentava nas escadas do castelo olhando o reino dos outros e ficava em silêncio, embevecida, os seus olhos e o seu sorriso possuíam um brilho especial como se procurassem um lugar para pousar e encontrar a resposta aquele sentimento que dentro de si ia habitando. Ela atirava para o ar toda a sua alegria, e sabia, que entre o sol e a chuva, o seu príncipe chegaria.
dc 



quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Gato que é Gato




Sentado no parapeito
O gato apanha seu sol
E fica observando de seu jeito
A borboleta borboletando
Sobre o girassol

Felino é o gato
E como qualquer gato gateia
Acolhe sempre seu dono
Quando este se sente no abandono
E com ele ronrona ou pranteia

O gato tem seu dono por companhia
Muito independente se sarcoteia
E a toda a hora se asseia
Mas quando a fome aperta mia mia
E nas pernas de seu dono se enleia

Com a fome saciada
Anima o dono com seu brincar
E no seu colo se vai aconchegar
Ambos se vão afinando
O humano com a mente sossegada 
E o gato que é gato gateando

dc