terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Memória de (a)mar




Aqui, onde gosto de estar,
conversando com o mar
e por ele enviando meu querer
nas mensagens que só tu sabes ler

Os olhos brilham de saudade
vendo o mar beijando o areal 
namorando o fim de tarde
e a noite lentamente acontecer

Tudo com saudade lembro,
de mãos dadas caminhando,
naquele fim de tarde setembro
e as gaivotas nos acompanhando

Sabes como eu gostaria 
que fosses presente neste lugar
para te beijar os lábios salgados,
como outrora, pela brisa do mar


O tempo passa e não sabemos,
neste agora viver a sós,
a razão de nos perdermos
deste lugar de “nós”.

dc

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Palavras "cabronas"




As palavras surgem, antecipam-se, colocam-se no texto tão rapidamente que nunca sei se sou eu que as comando ou elas que me comandam a mim. Muitas vezes elas surgem dizendo mais do que seria de bom tom, trazem à superfície mais intenção, mais força, mais do pensamento que o que eu previa. Revelam meus segredos, o meu eu que se esconde na morfologia física. Tenho momentos que tenho medo de escrever, tal a forma como as palavras dizem mais do que queria, revelam sentimentos e emoções que tinha dentro de mim guardadas e que de repente se tornam leitura comum dos outros. Isto assusta-me, eu não quero ser personagem das minhas palavras, eu quero que elas falem do comum dos outros, mas não gosto quando elas falam de mim declaradamente. Há momentos que as letras começam a surgir, tento impedir que a palavra se forme, mas não consigo resistir, é como um vício, elas colocam-se umas a seguir às outras e a palavra sai, sugere outras que se vão compondo em frases, os dedos obedecem como se fossem robotizados. Não é por acaso que eu fujo de olhar o teclado, escondo-o das mãos, elas não resistem em  escrever coisas que não devem sair dentro de mim, que deveriam estar no meu intimo sem que os outros saibam. Para quê revelar as minhas dores, os meus sentimentos, as minhas emoções, defeitos e virtudes? As palavras e as frases não têm o direito de revelar o que é só meu. Já me zanguei forte e feio com o novo dicionário e gramática, resultantes do último acordo ortográfico, por não entenderem algumas das palavras que uso, dizem ser inventadas, Até essas resistem e pretendem ser elas próprias senhoras do seu destino, mostrando a minha ignorância e incapacidade, nesta coisa de escrever. Como alguém dizia, tudo o que escrevemos tem algo de autobiográfico, para quê culpar os outros da nossa incompetência, neste caso, as palavras.

dc

PS: Como se pode ver pelo título, são elas que escolhem e me deixam boquiaberto, já não há palavras como outrora, que respeitem quem escreve e quem lê. Se fosse eu a escolher teria colocado "Palavras Sábias"







segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Na verdade...



..., já não esperava muito mais, o que deveria acontecer nunca chegou a acontecer, ficaram-se pela troca de fluídos e deixaram morrer tudo o resto que poderia nascer. Refrearam-se nas vontades, quando ao que se seguiria, com medo de perder não se sabe o quê, como se viver e amar fosse uma questão de perder poder.
Quem tem medo de perder nunca se aperceberá do quanto poderá ganhar. No acertar e errar se avança, se descobre, se evolui. Nas dores se constrói a força de resistir, de sobreviver, solidariedade, partilha, solidez no que surge de novo.
Fizeram as escolhas, erradas ou não, só mais tarde se avaliará, na realidade nada mais avançaram. Cada um por si, se pretendia mais livre e, assim foram esbracejando, como afogados, tentando sobreviver não sabendo ao quê. Afastaram-se cada vez mais, e ainda hoje, cada um por si, procura explicações cármicas para o acontecido. Resta agora, a cada um, ter a seu lado páginas de solidão, dias continuos de silêncios, um vozear de palavras que não têm escuta, emoções que não recebem retorno.
Quem não se prepara para oportunidade, quando ela surge, pode ficar eternamente esperando, talvez de que tudo seja perfeito, esquecendo-se que são humanos.

dc

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Quando o dia nasce



Descarregou a noite no disco rígido dos dias, como se quisesse manter eternamente guardada a escuridão, preservando o dia. A noite trazia-lhe os cansaços, as tristezas, a vida com seus embaraços, os ruídos nitidos, vigorosos, como todos os sons na calada da noite, tudo isto preso a uma certeza que se fundia com o pior das memórias.
Prendia os olhos no monitor, a sua luz referenciava o espaço em volta, assim se deixava ir agarrando palavras, imagens e estórias que se confundiam com as que ía inventando. Não se queria preso às paredes manchadas de figuras fantasmagóricas, que conformavam o habitáculo. Fugia, mantendo-se no mesmo lugar, alimentando a falsa ideia de que tudo mudava, para que o dia chegasse mais depressa.

Já houve um tempo, em que as noites se preenchiam em volta de uma mesa, em tertúlias de amigos, vivas e participadas, que acabavam pela madrugada sentados na borda de um qualquer passeio das ruas da cidade, Houve outras, que decorriam na observação do luar iluminando a terra, onde o seu silêncio só era interrompido com as vozes sussurradas no amor, que se fazia debaixo das estrelas correndo o céu.

Anseia que o dia chegue, trazendo-lhe o céu azul, a luz do sol afastando-o das paredes fechadas de penumbra, a brisa beijando-lhe a face e o ruído das vozes indistintas, coladas ao trinar dos pássaros, que enchem o ar. Nesse momento se rejuvenesce e tudo tem outro sentido. E volta a esperança de que o seu rosto surja a qualquer momento de entre um virar do dia. Não que a realidade não seja crua, por vezes, até as nuvens cinzentas perturbam, mas é muito mais visível e sem fantasmas. Vê o amigo e o inimigo, percebe o mexer dos lábios com as palavras que deles saem, olha nos olhos e lê as pessoas, Sente o prazer da leitura, na esplanada de um qualquer café, ou o prazer de um passeio à beira mar. Sente o mundo com a cor e brilho que a noite não possui. É a paz entrando em si, como o soro no sangue ajudando a superar a doença, Por isso, quando o dia nasce, a vida acontece.

dc