domingo, 24 de fevereiro de 2019

Porta Fechada




Não aprecio a noite em si, como momento de viver, mas como um espaço em que só a mente faz ruído, nesse agitar das correntes que atravessam o cérebro, na procura das perguntas, quase sempre sem resposta, ao que queremos saber.
De repente não somos ninguém ficamos esquecidos, tudo é mais importante do que nós. Perdemos a boleia do coração e ficamos estacionados no mar morto da ignorância. Ficamos como figuras desenhadas a lápis sensaborão que se apagam facilmente com a borracha do tempo. Em gíria de futebol, passamos de bestiais a bestas, no tempo ínfimo dum sopro cavernoso da mente perversa que tudo vê errado. A dedicação se transforma, pondo o eu em primeiro lugar, abrindo as portas ao julgamento, do que se desconhece.
E penso, talvez tenhas razão, em ficar nesse mundinho apertado
, onde se perde a voz e não é necessário arriscar, preferes a estabilidade da segurança material. Os anos correrão na sua normalidade do mesmo modo que as rugas mapearão o teu rosto; enquanto isso os cabelos ficarão cinzentos, os olhos pálidos e as formas do corpo terão tendência para se indefinir entre a magreza, ou a gordura, extrema. Será um congelamento precoce numa vida esmorecida, sem o gozo emocional de viver. Entretanto, quando uma porta se fecha outra se abre, procurarei encontrar um outro alguém que arrisque, valorize e aprecie viver o presente carregado de emoções. Não estarei cá tempo suficiente, nem me perderei para saber se a tua opção foi a melhor.

dc

terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

De regresso ao mar



O corpo leva-me ao encontro da brisa, do cheiro da maresia, que inspiro como um animal selvagem, enchendo os pulmões de oxigénio, inebriando-me. Eu corro ao longo dos pensamentos que as ondas do mar renovam. Não acelero a passada, deixo os pés entrarem na areia sentindo a humidade da orla da água, o chapinhar soa aos meus ouvidos como uma canção, dando ritmo e pausando as batidas do coração. Ali amenizo todas as tensões, afasto problemas, encontro-me frente a frente comigo próprio, minimizando cansaços e todas as dores.
Na minha mente repete-se, como um estribilho: vieste do mar até mim, é no mar que procuro esquecer-me de ti. É possível que tenha de ser assim, este procurar na raiz, a solução.
Foi junto ao mar que pela primeira vez me extasiei com o teu corpo e te vi quase nua, seduzido por cada curva e contracurva que o delineavam. Foi uma loucura o prazer de beijar os teus lábios quentes pelo sol e pelo desejo. No mar lavámos o corpo depois do amor e respirámos o ar cheio de odores diferentes, carregando as energias, descansando no areal, sentindo aquele arrepio gostoso do contraste do corpo enregelado pela água e o calor do sol esquentando a pele. Não ficávamos ao sol para ficarmos morenos, mas para gozar aquele quente e frio. Por vezes repetíamos tudo desde o início, até sermos tomados pelo cansaço, que nos tornava lentos, dengosos, aliciando a ficar inertes e esparramados na areia. O caminhar no regresso, ao fim de tarde, era penoso, pelo cansaço e, porque o sol se pousava no horizonte fazendo-nos sonhar com a sua beleza, mexendo com as nossas emoções.
Agora, aqui estou eu regressado junto do mar, fazendo a catarse, tirando dentro de mim, todos os resíduos negativos deixando-me purificar, como se o mar fosse um soro que repara todas as anomalias.
“Aproveito e corro ao longo dos pensamentos que as ondas do mar renovam” deixando-me livre para renascer.

dc

domingo, 17 de fevereiro de 2019

Que merda!



Não é fácil não, enfrentar-te deixar que te apoderes de mim, que me tragas ao meu corpo esse cansaço, a perda de frescura, da vontade e incapacidade para realizar e produzir objectivos. Não é justo, todo o processo deveria funcionar ao contrário, seria melhor para usar a experiência com mais aproveitamento e menos erros. Seria certamente contra natura, mas era definitivamente mais interessante, que tudo fosse regredindo até há idade do ventre, até mais fundo ao gozo de que me deu origem.
Tudo está feito deste modo, que havemos de fazer. No volume que nos desenha, vão surgindo as marcas do tempo, e se não a cuidarmos, a mente se vai infantilizando nas birras, no egoísmo, na soberba até que tudo se esconda na negritude do desconhecido. Que merda!

dc

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Na madrugada dos dias




Na madrugada dos dias, surgem as perguntas. Na mão que procura, o vazio das respostas. Já não sinto a tua respiração e o teu sono solto, nas minhas costas. Nem o calor, nem o cheiro, é uma ausência por inteiro. A saudade é dolorosa, e feita de muitos nadas que corporizavam a tua presença. Onde andas? Quantas vezes eu estou dentro do teu pensamento, ou nem sequer existo ainda para ti?
Cuido do cabelo, visto-me a preceito, pinto os meus olhos, retoco os meus lábios de vermelho vivo, como se esperasse encontrar-te, inesperadamente, nunca qualquer sítio, como acreditando que o acaso e a esperança se unam a meu favor. Tudo em vão, como sempre, acabo estagnada olhando o espelho, deixando as lágrimas correrem pelo rosto, transformando-o numa imagem de terror que transparece a minha alma.
Será que o amor terá de ser dor e arrependimento? Se calhar nem é amor, é um apego cínico que mexe os cordelinhos dos meus sentimentos, explora a minha falta de auto-estima, os excessos vários da vida quotidiana, que me criaram a convicção de que a tua presença é imprescindível para me libertar e sentir que estou viva. Esta carência permanente de sentir o afago dos teus dedos na minha face, como se limpasses todas as impurezas daquilo que são as vivências sociais e profissionais. A premência de sentir os teus lábios nos meus, como se me trouxesses à vida, depois do colapso.
As palavras insuficientes para explicar este meu sentir, são as únicas que permitem revelar-me e dizer de algum modo, que gosto de ti e que me apeteces.


dc

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

14 Fevereiro




Olho, esses teus olhos mareados e profundos, sinto-me diluir dentro de ti, como a água que bebes. Primeiro nos teus lábios e na tua boca por inteiro, depois, escorrendo por dentro até chegar bem fundo, espalhando-me fazendo parte de todo o corpo, transformando o nosso ADN. Fazemos a osmose do encantamento, pele na pele, boca na boca, mãos nas mãos, cada vez mais um só corpo, um respirar, um falar da mesma forma e seu entender. Não quero perder essa vertigem que nos torna bioidenticos, encaixando todas as células e pequenos átomos como tivéssemos nascido de um mesmo ventre, mas não irmãos. Existes, como se não existisses, porque existimos um, no outro. Talvez a isto se chama amor.

dc